Folha de S.Paulo

Brasil registra 47 mil mortes por ano e mais 400 mil pessoas ficam com alguma sequela

- MARIANA LAJOLO

FOLHA

O caminho era o mesmo todas as sextas-feiras. Guilherme Mariano da Silva já estava acostumado: saía à noite de Boituva, onde fazia faculdade, e dirigia por 121 km até São Paulo. O estudante costumava ser prudente ao volante, mas, aos 20 anos, não levava os riscos tão a sério. Tanto que, dez meses atrás, não se preocupou com o sono que o abatia antes de pegar a estrada. Só queria voltar logo para casa.

“Quando você é jovem, não acredita que pode acontecer com você. Brinca com o que é sério. Não imaginava que o cansaço pudesse me vencer”, recorda.

Guilherme não se lembra bem do que aconteceu, mas deve ter dormido. Invadiu a contramão e capotou o carro várias vezes. O automóvel ficou destruído. Ele não sofreu nenhuma escoriação, mas teve uma lesão na medula que o deixou paraplégic­o. Hoje faz reabilitaç­ão na Rede Lucy Montoro e se movimenta em cadeira de rodas.

O estudante é um dos rostos de uma estatístic­a que evidencia uma verdadeira epidemia de acidentes no Brasil, que tiram vidas, deixam sequelas e consomem bilhões de reais.

Segundo dados da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde), o país é o quarto colocado em número de mortes nas Américas, atrás apenas de República Dominicana, Belize e Venezuela.

O Brasil registra cerca de 47 mil mortes no trânsito por ano —400 mil pessoas ficam com algum tipo de sequela. O custo dessa epidemia ao país é de R$ 56 bilhões, segundo levantamen­to do Observatór­io Nacional de Segurança Viária. Com esse dinheiro, seria possível construir 28 mil escolas ou 1.800 hospitais.

Desde a implantaçã­o do Código Nacional de Trânsito, em 1998, uma série de medidas positivas foram adotadas, como a Lei Seca, uso de cadeirinha para crianças e obrigatori­edade de airbag frontal nos veículos novos. Mas, após uma ligeira queda, o número de mortes voltou a subir.

De 2009 a 2016, por exemplo, o total de óbitos saltou de 19 para 23,4 por 100 mil habitantes. Nessa toada, o país não cumprirá a meta da ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas) de reduzir pela metade a incidência de acidentes até 2020.

Com os números sem dar sinais de quedas importante­s, o problema parece difícil de ser solucionad­o. Mas ações executadas por diversos países mostram que é possível, sim, atacá-lo com eficiência.

Nos últimos dez anos, a Espanha reduziu em cerca de 80% seus acidentes, os Estados Unidos, em 20%, a Bélgica, 30%. Para efeito de comparação, os norte-americanos têm uma frota de veículos seis vezes maior do que a brasileira, uma população cerca de 70% maior e uma mortalidad­e no trânsito de 30 mil pessoas por ano.

“É necessária responsabi­lidade do governante de qualquer esfera para melhorar a vida das pessoas e as proteger dos riscos. É preciso ter clareza e até coragem para dizer: ‘essa medida é impopular, mas precisa ser feita’. A questão de segurança tem de vir na frente, e o custo econômico é muito alto”, afirma David Duarte Lima, presidente do Instituto de Segurança no Trânsito e professor da Universida­de de Brasília. SOLUÇÕES Folha

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