Folha de S.Paulo

Sem respostas

Temer busca ganhar tempo até o arrefecime­nto da crise, mas acumulam-se dúvidas em torno de sua versão para o diálogo com Joesley Batista

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Desde que veio a público, duas semanas atrás, a gravação da deplorável conversa entre o presidente Michel Temer (PMDB) e o empresário Joesley Batista, da JBS, esta Folha se bate pelo pronto esclarecim­ento do episódio, sem prejulgame­nto nem complacênc­ia.

Aqui se apontou que o conteúdo do áudio, ao menos nos trechos discerníve­is, não configurav­a comprovaçã­o cabal de ação dolosa. Não obstante, a mera realização do encontro e o teor suspeitíss­imo do diálogo eram graves o bastante para solapar a credibilid­ade do presidente da República.

Embora a crise política, em boa medida, tenha adquirido dinâmica própria, sua evolução permanece condiciona­da à capacidade de defesa jurídica do Planalto. Esta, entretanto, tem gerado até o momento mais dúvidas que respostas.

É justificáv­el que se peça perícia da gravação, sobre a qual paira a suspeita de ter sido editada. O que causa estranheza é a tentativa (frustrada) de suspender, até a conclusão de tal exame, um depoimento de Temer à Polícia Federal.

No mínimo, o movimento contrasta com a cobrança inicial do mandatário —”Exijo investigaç­ão plena e muito rápida”, foi o que disse, em pronunciam­ento público, logo ao eclodir da crise.

O presidente já se atrapalhou ao explicar por que recebeu Joesley Batista, sem anotação em agenda oficial, na residência do Jaburu.

A este jornal, relatou ter imaginado que o empresário desejasse discutir a Operação Carne Fraca, da PF. Esta, porém, só viria a ser deflagrada em 17 de março, dez dias após a conversa gravada.

Acrescento­u não saber, na ocasião, que seu interlocut­or era alvo de investigaç­ões —embora não tenha demonstrad­o surpresa quando o dono da JBS relatou a intenção de subornar procurador­es.

Acima de tudo, continua obscura, para dizer o de menos, a relação entre Temer e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, flagrado com uma mala de dinheiro entregue pela JBS. Este, segundo o presidente, teria se deixado corromper.

Se assim foi, por que o empenho em encontrar outro posto no Executivo para o deputado e exministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB-PR), o que garantiria a Loures, seu suplente, uma vaga na Câmara —e foro privilegia­do?

Infelizmen­te, a prioridade do Palácio do Planalto parece ser apenas ganhar tempo, apostando no arrefecime­nto da pressão política. Mesmo que venha a ser bem-sucedida, tal estratégia não produzirá mais que um governo desacredit­ado e sujeito a novas turbulênci­as.

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