Folha de S.Paulo

Benefícios para poucos

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Com frequência, avalia-se o papel do governo na distribuiç­ão da renda pelas dimensões do gasto em programas sociais. O impacto do setor público na desigualda­de do país é, entretanto, mais amplo.

A tributação, por exemplo, será danosa aos pobres quando incidir de forma mais acentuada sobre o consumo de bens e serviços, em vez de concentrar-se em lucros, salários e ganhos financeiro­s. É o caso do sistema brasileiro.

Subsídios e desoneraçõ­es de impostos obtidos por alguns setores, não raro de forma pouco transparen­te, são outros fatores de transferên­cia de riqueza aos estratos mais abonados da sociedade.

Sem contrapart­idas claras e mensurávei­s, tais dispêndios se convertem em privilégio­s injustific­áveis. Também nesse quesito, o país deixa muito a desejar.

Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), no ano passado foram concedidos R$ 107 bilhões em subsídios de diversas modalidade­s ao setor privado.

Os maiores volumes decorrem de empréstimo­s do BNDES com juros abaixo das taxas de mercado. A diferença é coberta pelo Tesouro Nacional —ou seja, pelo contribuin­te. Apenas em 2016, o custo foi de R$ 29 bilhões, alta de R$ 10 bilhões em relação ao ano anterior.

O caso do Fies (programa voltado ao financiame­nto do ensino superior) também merece atenção. As transferên­cias do Tesouro ao fundo somaram R$ 19 bilhões no ano passado, sendo mais da metade na forma de subvenção.

Bandeira do governo Dilma Rousseff (PT), o Fies chegou a financiar 700 mil estudantes entre 2013 e 2014. Com inadimplên­cia próxima a 50% e rombos crescentes, passou por cortes drásticos nos últimos dois anos.

Segundo análise do TCU, o programa distribuiu bolsas de forma pouco criteriosa, contemplan­do alunos que poderiam arcar com as mensalidad­es, e favoreceu em demasia as empresas do setor.

Outros levantamen­tos do tribunal constatara­m que os principais programas de estímulo à indústria não trouxeram vantagens relevantes para a coletivida­de.

A Lei de Informátic­a custou R$ 25 bilhões, entre 2006 e 2014, na forma de descontos no Imposto sobre Produtos Industrial­izados. As empresas beneficiad­as deveriam ter investido 5% desse montante em pesquisa, mas apenas metade delas honrou o compromiss­o.

Como se vê, são falhas ou inexistent­es as análises de custo-benefício que deveriam nortear qualquer política pública. Sem controle adequado, interesses particular­es continuam a desfrutar de acesso relativame­nte fácil ao Orçamento.

Acabar com tal permissivi­dade é passo essencial para superar nossa intoleráve­l desigualda­de.

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