Folha de S.Paulo

As empresas funcionand­o.

- RAQUEL LANDIM JOANA CUNHA

Ao aceitar um prazo longo e juros baixos para o pagamento da multa imposta à J&F, holding que congrega os negócios dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o Ministério Público Federal concedeu, na prática, um “desconto”.

Na terça (30), o MPF-DF fechou o acordo de leniência do grupo com a aplicação de umamultade­R$10,3bilhões, o equivalent­e a 5,36% do faturament­o livre de impostos.

O valor foi comemorado pelos procurador­es como o mais alto no mundo. Em troca, as empresas do grupo, como JBS e Eldorado, se livram de vários crimes investigad­os pela Polícia Federal. Já a J&F conseguiu 25 anos para pagar e a dívida terá só correção monetária pelo IPCA. No acumulado de 12 meses até abril, o IPCA está em 4,08%.

O juro é baixo comparado à taxa de retorno gerada pela JBS, o maior negócio dos Batista, que chega a 12,34% ao ano, conforme a agência Bloomberg.

Segundo o professor de finanças Marcos Piellusch, para pagar a multa ao longo dos próximos 25 anos, bastaria que os Batista aplicassem hoje R$ 5,3 bilhões em seu próprio negócio —ou seja, metade do valor devido. O cálculo considerou IPCA entre 4,36% e 4,5% ao ano.

A evolução das negociaçõe­s aponta que os procurador­es não abriram mão de valor alto para a multa, mas suavizaram a condição de pagamento. A proposta anterior do MPF era multa de R$ 10,99 bilhões com 13 anos para pagar e correção pela Selic, hoje em 10,25%, mas deve fechar o ano perto de 8,5%, segundo o boletim Focus.

Supondo a Selic estável nos próximos anos, os Batista teriam que aplicar significat­ivamente mais dinheiro em seu negócio para pagar a multa: R$ 8,4 bilhões.

“A troca da Selic pelo IPCA dá uma vantagem financeira, porque uma taxa é quase metade da outra”, diz Gilberto Braga, professor do IBMEC.

Outro caso da Lava Jato, a Odebrecht vai pagar valor absoluto menor —R$ 3,28 bilhões— mas a correção será pela Selic. O prazo é 23 anos.

“No acordo da Odebrecht usaram a Selic, que, ainda que seja uma taxa básica, pelo menos é o custo de oportunida­de no Brasil em aplicações de risco baixo. Na J&F, o IPCA, nem isso, é só correção monetária”, diz Cesar Caselani, professor da FGV.

A multa da J&F foi calculada pelo MPF com base na legislação, que determina até 20% da receita líquida da empresa. Como os crimes eram graves, os procurador­es partiram deste teto, mas a J&F teve desconto pela disposição em colaborar com a Justiça.

Também foi levado em conta o percentual médio de outros acordos de delação (Odebrecht, Braskem, Camargo Correa e Andrade Gutierrez).

Segundo uma pessoa envolvida na negociação, o prazo e os juros foram determinad­os observando a capacidade de pagamento do grupo. Uma preocupaçã­o é manter

vender ativos para pagar

VENDA DE ATIVOS Nos últimos três anos, a J&F não recebeu dividendos suficiente­s das empresas para pagar as parcelas da multa, que podem variar de R$ 400 milhões a R$ 850 milhões. Os dividendos somaram R$ 92 milhões em 2014, R$ 213 milhões em 2015 e R$ 109 milhões no ano passado.

A holding tem três alternativ­as para obter os recursos: elevar a retirada de dividendos, vender ativos ou receber aporte dos sócios. A empresa nega que venderá ativos, mas tem operações valiosas como a São Paulo Alpargatas, dona das Havaianas.

Procurado, o MPF-DF não se manifestou. A J&F disse que o pagamento da multa será feito de modo a “garantir que os negócios do grupo prossigam em ritmo normal”. DANIELLE BRANT,

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Pedro Ladeira - 21.mar.2017/Folhapress Fábrica do grupo J&F em Lapa, no Paraná; empresa teve desconto em acordo com MPF

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