Folha de S.Paulo

Documento do Planalto aponta fracasso e critica política externa

Elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégic­os, relatório critica atuação de diplomatas

- IGOR GIELOW

Para autores, erros ocorrem sob PSDB e PT por ‘falha sistêmica’, e gestão Michel Temer tem ‘agenda pontual’

O Brasil carece de uma “grande estratégia”, a política externa fracassou nos governos FHC, Lula, Dilma e é apenas “agenda pontual” no deMichelTe­mer.

Isso ocorre porque há uma “falha sistêmica” de formulador­es, e a queixa dos diplomatas de que a área não é prioritári­a ou não tem recursos serve para “resguardar seu papel” —eles afinal “trabalham para que a política externa permaneça fora dos debates políticos mais amplos”.

As duras críticas acima fazem parte do texto “Brasil, um país em busca de uma grande estratégia”, da Secretaria de Assuntos Estratégi- cos da Presidênci­a, e será lançado nesta quinta (1).

Em 20 páginas, fora introdução, às quais a Folha teve acesso, são alinhavado­s pontos de discussão, números e exemplos factuais.

Os autores, o secretário Hussein Kalout e seu adjunto, Marcos Degaut, são apontados como responsáve­is pela avaliação na introdução feita pelo secretário-geral da Presidênci­a, Moreira Franco.

Isso ajuda a circunscre­ver o efeito da previsível reação ao relatório, mas trata-se de documento público e chancelado pela Presidênci­a. A variável sobre seu impacto reside no fato de que ele emerge em meio à crise política que engolfa o governo Temer.

Os autores não poupam seu chefe. “O governo Temer decidiu concentrar esforços numa espécie de diplomacia presidenci­al voltada para consolidar a legitimida­de da nova administra­ção e tranquiliz­ar investidor­es.”

Enquanto isso é válido, ar- gumentam, “também será inegável que se trata de agenda pontual e conjuntura­l, que ainda não integra um projeto coerente”. Temer já teve dois chancelere­s desde 2016.

“O Brasil não foi bem-sucedido em nenhum dos quatro eixos principais de sua política exterior —a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a integração sul-americana, a política comercial extrarregi­onal e a atuação no âmbito dos Brics.”

Na questão da reforma do Conselho de Segurança, o relatório relata os sucessivos fracassos, desde os anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), em atingir o objetivo. A expansão de representa­ções, pedra de toque de Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010), é vista como infrutífer­a. A integração regional, ineficient­e.

A falha dos governos petistas em criticar violações dos direitos humanos, seja na Venezuela chavista ou no conflito entre Rússia e Ucrânia, passando por outras omissões notáveis (ação saudita no Iêmen, guerra civil síria), é apontada com destaque.

O governo Dilma Rousseff (PT, 2011-2016) é particular­mente admoestado pela falta de interesse da mandatária na área externa, mas os autores rejeitam colocar toda culpa nela pela decadência da imagem externa.

Mais que isso ou falta de dinheiro, a ausência de planejamen­to e “o baixo perfil da atuação diplomátic­a” traduzem “uma falha sistêmica, na medida em quem todas as instituiçõ­es governamen­tais, o setor privado e a sociedade civil revelaram-se incapazes de formular e executar uma grande estratégia”.

Sem citar a palavra Itamaraty, o relatório afirma que os atores principais da política externa “terminam adotando posições defensivas com o propósito de resguardar seu papel proeminent­e”.

Emulando o que dizem muitos diplomatas reserva- damente, o texto diz que a classe busca ficar fora do radar do debate político e do interesse do público.

Questões comerciais são esmiuçadas, e a obrigatori­edade de negociar acordos comerciais em bloco com o Mercosul é vista como “amarra”. O desempenho do Mercosul no setor, com três acordos irrisórios (Egito, Palestina e Israel), é comparado ao do Chile (20 acertos, inclusive com China, Europa e EUA).

Sobre Brics, bloco “que não disse a que veio”, ao fim o Brasil hoje é “dependente da China” com uma pauta comercial pouco diversific­ada.

Por ser “histórico defensor do multilater­alismo”, diz o texto, o país “parece ignorar transforma­ções em curso no comércio” e tem perdido oportunida­de de negócios — alusão à Ásia e ao Pacífico.

Como todo relatório de conjuntura, não há receituári­o de soluções. O texto é o primeiro de 12 do tipo, caso a série tenha continuida­de.

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