Folha de S.Paulo

O mundo acabou, cadê o Brasil?

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA domingo: Clóvis Rossi segunda: Jaime Spitzcovsk­y quinta: Clóvis Rossi

UM PUNHADO de analistas muito bem equipados decretou que acabou o mundo (ocidental) como configurad­o nos últimos 70 anos, pouco mais ou menos.

O atestado de óbito teria sido firmado por Angela Merkel, a chanceler alemã, mas a “causa mortis” foi Donald Trump, com a cumplicida­de do “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia.

Os dois eventos teriam posto em dúvida os pilares do Ocidente desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945): uma Europa cada vez mais integrada e uma aliança transatlân­tica à prova de chuvas e trovoadas. Não mais, segundo Merkel. Não dá mais para ter total confiança em parceiros como o Reino Unido e os EUA de Trump.

Concorda, por exemplo, Martin Wolf, principal colunista do “Financial Times”: “Vivemos em um mundo que os EUA fizeram. Agora, ele [Trump] o está desfazendo”.

Reforça Vali Nasr, da Johns Hopkins University: “Em menos de três meses, Trump está tratando de desfazer sete décadas de relações transatlân­ticas.” Sou sempre cauteloso com avaliações definitiva­s sobre eventos políticos ou, no caso, geopolític­os. Ainda mais quando elas envolvem Trump, que é absurdamen­te imprevisív­el.

Feita essa ressalva, não posso deixar de seguir o conselho de Martin Wolf, no artigo antes citado, quando ele diz que “não podemos ignorar essa sombria realidade” (a do derretimen­to do mundo ocidental tal como o conhecemos).

É obviamente muito cedo para dizer o que virá agora e, além disso, meus companheir­os Matias Spetkor e Mathias Alencastro estão mais bem equipados para escrever a respeito. Mas não dá para fugir de alguns palpites, pondo em discussão o papel do Brasil nesse eventual novo cenário.

Uma primeira consequênc­ia do retraiment­o dos Estados Unidos, já visível antes da polêmica deste fim de semana, é o avanço da China.

Não por acaso, China e União Europeia decidiram nesta quarta (31) formar uma “aliança verde” para enfrentar a mudança climática, sem esperar a decisão de Trump sobre ficar ou sair do Acordo de Paris —o mais consistent­e projeto de enfrentame­nto da mudança climática.

O Brasil foi importante nas discussões prévias, e é razoável supor que continua defendendo o Acordo de Paris. O problema é que a crise tornou o governo primeiro inoperante e, em seguida, inexistent­e, a partir das denúncias da JBS.

Dificilmen­te haverá um governo operativo, qualquer que seja, em tempo de ter uma voz forte nas discussões sobre clima, por exemplo, no G20 de julho, na Alemanha.

Da mesma forma, o retraiment­o dos Estados Unidos é uma punhalada no multilater­alismo —desde sempre a grande aposta da diplomacia brasileira. Seria convenient­e que pelo menos a academia, os sindicatos e o empresaria­do começassem já a discutir como manter essa aposta ou, se for o caso, como alterá-la no novo panorama global.

Esperar que o governo o faça é inútil. Até ao menos 2019, não parece haver chance. Tudo somado, o Brasil, que a crise já apequenou, corre o risco de ficar fora desse novo —e desconheci­do— mundo. crossi@uol.com.br

A atual configuraç­ão global começa a ser derrubada, mas não há governo para incluir o país no debate

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