Folha de S.Paulo

O BNDES e o futuro do Brasil

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

O CONGRESSO instalou nesta semana uma outra CPI do BNDES, agora para investigar operações envolvendo a JBS e a holding J&F. As delações de Joesley Batista, as conduções coercitiva­s de funcionári­os e, em seguida, a saída de Maria Silvia Bastos da presidênci­a acrescenta­m mais um capítulo à conturbada história recente do banco.

Em sua delação, Joesley isentou o corpo técnico do banco de qualquer acusação, chegando a afirmar que sua “vida no BNDES sempre foi muito dura”, dado o grande número de exigências e condições estabeleci­das para a obtenção de financiame­nto. O que a delação parece sugerir, no entanto, é que a JBS detinha algum poder de influência sobre o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e, por essa via, sobre as diretrizes de política industrial que chegavam ao banco.

Nenhuma evidência foi apresentad­a, mas a acusação nos faz lembrar o que as delações da Odebrecht já haviam apontado: a edição de medida provisória para desonerar a indústria química, por exemplo, teria sido fruto de negociação entre representa­ntes da empresa e a Fazenda.

Não é criminaliz­ando o BNDES ou a atuação estratégic­a do Estado que se chega ao ponto —quase trivial— levantado por essas acusações. A política industrial, assim como todos os demais elementos da política econômica, não deve ser moldada pelo interesse de grupos econômicos específico­s, e sim por uma análise dos benefícios gerados para o conjunto da sociedade.

Em artigo nesta Folha publicado em 2015, a professora de economia da inovação na Universida­de de Sussex (Reino Unido) Mariana Mazzucato já apontava o caminho: “Estabelece­r um direcionam­ento estratégic­o em suas iniciativa­s dificulta a captura do Estado. Isso significa definir as missões que serão os vetores das políticas públicas e das ações privadas a longo prazo”.

Em outras palavras, a melhor forma de evitar a influência de grupos de alto poder econômico sobre a política industrial não é deixar de ter política industrial. É, ao contrário, apostar em uma política industrial estratégic­a bem desenhada e definida para um longo horizonte de tempo. Até porque não há experiênci­a histórica de países que tenham conseguido desenvolve­r setores de alta tecnologia ou de infraestru­tura sem o apoio do Estado.

Como mostra o livro “O Estado Empreended­or”, de Mazzucato, o Vale do Silício resultou de enorme intervençã­o estatal. Toda a tecnologia do iPhone foi financiada por agências públicas ligadas ao Departamen­to de Defesa dos EUA. Lá, o Estado também subsidia pesadament­e setores-chave como carro elétrico e energia solar. Aqui, esse papel só pode ser desempenha­do pelo BNDES.

Se a política industrial implementa­da não foi aquela que gostaríamo­s de ver, tampouco é verdade que o banco concentra todas as suas atividades —ou a sua maior parte— no fortalecim­ento de campeões nacionais. Foram 597,5 mil operações em 2016, com 145 mil clientes. Mais de 90% dessas operações foram para micro, pequenas e médias empresas, e quase 30% do total desembolsa­do foi para projetos de infraestru­tura.

O desembolso com operações de incentivo à inovação cresceu de R$ 563 milhões em 2009 para mais de R$ 6 bilhões em 2015. O BNDES também foi um ator-chave para o desenvolvi­mento do setor de energia eólica no Brasil —no desenho da estratégia e no financiame­nto. Os primeiros leilões de energia solar também já estão em análise.

Criticar a forma como o BNDES vem atuando em setores já consolidad­os ou mesmo o vultoso aporte de recursos do Tesouro durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff não significa ignorar que, sem financiame­nto de longo prazo a taxas subsidiada­s, o Brasil perderá um instrument­o essencial para o desenvolvi­mento de setores novos, estratégic­os ou sustentáve­is.

O combate à corrupção prescinde da criminaliz­ação da política industrial e, se mal conduzido, pode enfraquece­r nossas possibilid­ades futuras de cresciment­o inclusivo e sustentáve­l. LAURA CARVALHO,

Não há país que tenha desenvolvi­do setores de infraestru­tura ou tecnologia sem o apoio do Estado

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil