Folha de S.Paulo

Crack complexo

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A intervençã­o promovida na semana passada na região da cracolândi­a, no centro de São Paulo, confirmou o que já se deveria saber: não é possível solucionar de uma hora para a outra, por meio de ações policiais, a degradante situação que se verifica naquele e em outros pontos da cidade.

Levantamen­to do Datafolha mostra que a maioria (59%) dos paulistano­s aprovou a operação. Entretanto há plena consciênci­a das limitações de seus resultados: 91% concordam que os usuários buscarão drogas em outros locais.

Essa lição foi aprendida em meados da década de 1980 pelas autoridade­s de Nova York, que enfrentava uma epidemia de crack. A polícia, na época, redobrou seus esforços para reprimir os mercados de venda e consumo das pedras.

Anos depois, ao comentar aquela ofensiva policial, Robert Stutman, que comandava o DEA (agência americana de combate aos entorpecen­tes) na cidade, resumiu os frutos imediatos: “Tudo o que fizemos foi mover os traficante­s cinco quarteirõe­s adiante e entupir o sistema de Justiça criminal”.

Na população de São Paulo, conforme a pesquisa de opinião, há amplo entendimen­to de que o problema tem duas faces: é ao mesmo tempo um caso de segurança e de saúde pública. É vital, portan- to, que as políticas de Estado contemplem as duas frentes.

A polícia precisa combater o tráfico de maneira mais eficaz, substituin­do ações espetaculo­sas por investigaç­ões mais aprofundad­as e providênci­as que contenham a circulação da droga.

Simultanea­mente, há que tentar atrair os usuários para programas terapêutic­os e comunitári­os, sabendo-se que exigem tempo para dar resultados e apresentar­ão algum grau de fracasso.

De acordo com o Datafolha, 80% dos paulistano­s são favoráveis à internação compulsóri­a de usuários. É, de fato, o que a legislação prevê para casos extremos.

Entretanto internaçõe­s forçadas tendem a ser transitóri­as e paliativas, mostra a experiênci­a. Tais tratamento­s não devem ser a estratégia básica para enfrentar questão que envolve múltiplas facetas.

Nos EUA encontrou-se solução parcial em tribunais especializ­ados, que contam com estrutura judicial e uma rede de assistênci­a social e médica. Levados a essas cortes, os portadores de drogas têm como alternativ­a à cadeia submeter-se a programas de recuperaçã­o.

São Paulo, é evidente, tem sua realidade e suas limitações de recursos públicos. Precisa encontrar as próprias respostas, sem se iludir com soluções mágicas.

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