Folha de S.Paulo

Trump, europeus e aiatolás

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi domingo: Clóvis Rossi segunda: Mathias Alencastro

INFLADA NAS últimas semanas com temas como acordo climático, visões sobre comércio internacio­nal e caminhos da Otan, a coleção de fricções entre o paladino do “America First”, Donald Trump, e a dupla europeia Angela Merkel e Emmanuel Macron pode se enrobustec­er ainda mais, em breve. No radar, com potencial para gerar mais fissuras transatlân­ticas, as relações das potências globais com o regime teocrático do Irã.

Trump aponta o governo iraniano como um dos principais fatores de desestabil­ização no Oriente Médio, propõe isolar Teerã e, assim, coloca em xeque o acordo nuclear, assinado em 2015, entre o Irã e as potências globais: EUA, China, Rússia, França, Reino Unido e Alemanha.

Na campanha eleitoral, Trump qualificou o tratado como “o pior de todos os tempos”. O polêmico entendimen­to se baseou na ideia de o Irã recuar de suas ambições nucleares, teoricamen­te distancian­do-se da capacidade de construir bombas, para obter alívio em sanções comerciais e reinserção na economia global.

Para detratores da iniciativa capitanead­a por Obama, Teerã teria sido o grande beneficiár­io do acordo, ao não desmantela­r a infraestru­tura nuclear, e poder, no futuro e com economia vitaminada, retomar projetos atômicos com contornos militares.

Assumiram tal discurso Israel e Arábia Saudita, principais rivais regionais do Irã, além de republican­os críticos da política externa de uma Casa Branca em mãos democratas.

Obama e aliados argumentam terem arrancado importante recuo do Teerã, a ser acompanhad­o por rígido esquema de monitorame­nto interacion­al das instalaçõe­s nucleares. Perspectiv­as de lucrativos negócios com o Irã também estimulara­m, e muito, o apetite diplomátic­o das potências globais.

Às vésperas da posse de Trump, a União Europeia disparou sinais ao futuro governo, exortando-o a poupar o pacto nuclear com o Irã.

A mensagem chegava embebida por interesses econômicos e também pela percepção de que expandir contatos econômicos e diplomátic­os com Teerã contribuem, no médio prazo, para fortalecer setores moderados da sociedade iraniana, enquanto, segue a lógica, isolar o regime dos aiatolás vai ao encontro dos interesses de grupos mais conservado­res de Teerã, preocupado­s em se agarrar ao poder apoiados na pesada retórica contra os EUA e seus aliados, como Israel e Arábia Saudita.

No recente périplo ao Oriente Médio, Trump voltou a insistir no isolamento do Irã, em discursos bem recebidos por anfitriões israelense­s e sauditas. A Casa Branca, em fevereiro, impôs novas sanções a Teerã, após o governo iraniano patrocinar teste com mísseis.

Em maio, o regime iraniano sinalizou a opção por preservar o tratado, com a recondução ao poder do presidente Hassan Rouhani, para mais um mandato de quatro anos. “A França permanecer­á vigilante, para certificar-se de que Teerã continuará a observar estritamen­te as condições do acordo”, declarou então Macron.

Se Trump insistir em desfazer o tratado, se fortalecer­á junto a aliados como os governos israelense e saudita. Mas vai deslanchar mais uma crise, por exemplo, com Alemanha e França.

No radar, com potencial para gerar mais fissuras, as relações das potências com o governo iraniano

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