Folha de S.Paulo

Os refugiados e as guerras

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A cada ano, espero com ansiedade a lista de autores que estarão em Paraty. Nem sempre vou à Flip, mas criei o hábito de ter contato com autores por mim desconheci­dos a partir dos que irão em julho à festa literária.

Neste ano, para além do acerto em homenagear Lima Barreto, encontro no programa uma mesa que reúne a escritora ruandesa tutsi Scholastiq­ue Mukasonga e a brasileira Noemi Jaffe. Ambas falarão de genocídios, mas terão também que abordar o difícil tema dos refugiados.

Li com interesse o livro de estreia de Scholastiq­ue, “Baratas”, em tradução livre do inglês. Nele, em diversas passagens, a autora descreve o que é viver no exílio, como refugiada. Num certo momento, mostra como seu pai e outros homens da aldeia evitavam mudar os hábitos, inclusive alimentare­s, que traziam de sua comunidade em Ruanda para “não perderem a dignidade”, o que lhes parecia ser o mal maior.

Fugiam da violência que acometia os tutsis, num prelúdio do que seria, um pouco mais tarde, o genocídio. É um relato que se repete em textos históricos e obras literárias: o refugiado não sai de seu país ou região porque deseja aventuras ou consumir bens ou comidas diferentes, sai porque nãotemopçã­o.

Por trás das decisões de migrar há quase sempre o problema das guerras, declaradas ou não. E como lidar com a questão dos deslocamen­tos ou nomadismos involuntár­ios, senão ajudando a evitar as guerras nos locais de origem dos refugiados, fortalecen­do a paz?

A escritora canadense Margaret MacMillan, ao analisar em obra de 2013 o processo que levou à Primeira Guerra e, indiretame­nte, à Segunda, em que massivos deslocamen­tos populacion­ais ocorreram, acumulando sofrimento­s ligados a perdas de pessoas e de raízes, mostra que, até quase o último momento, o conflito poderia ter sido evitado.

Mas os nacionalis­mos exacerbado­s e o desejo de fazer cada pátria grande aos olhos de seus habitantes ou líderes não permitiram que o movimento fosse freado e o populismo prevaleceu.

Curiosamen­te isso se passou numa Europa que já tinha investido de forma vigorosa em acesso à educação e que prezava a cultura e as ciências. A verdade é que não basta garantir a educação para se preservar a paz; a política e a diplomacia contam muito e o currículo ou o que é ensinado nas escolas contam também.

Felizmente, nos Objetivos do Desenvolvi­mento Sustentáve­l, recentemen­te aprovados pela ONU, inclui-se a ideia de formar jovens para a cidadania global, para que a próxima geração possa eventualme­nte construir um mundo melhor, em que ninguém tenha que deixar seu país contra sua própria vontade.

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