ANÁLISE ‘Veredicto’ depende de provar intenção do presidente
Em um aguardado depoimento ao Senado dos EUA, o ex-diretor do FBI James Comey disse nesta quinta (8) acreditar que o presidente Donald Trump tentou obstruir a investigação sobre as ligações do ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn com a Rússia —e que ele, Comey, foi demitido pela forma como reagiu a isso.
“Sei que fui demitido por alguma coisa envolvendo a forma como eu conduzia a investigação sobre a Rússia. De alguma forma, isso o estava pressionando e irritando”, disse Comey, retirado da chefia da principal polícia federal americana em 9 de maio.
A justificativa oficial da Casa Branca foi a de que o então diretor tinha “conduzido de forma errada” a investigação do uso indevido de e-mails pela ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, em 2016. Em entrevista a uma rede de TV americana, porém, Trump afirmou depois que estava pensando “nessa coisa da Rússia” ao demiti-lo.
Comey afirmou ainda que o governo Trump “mentiu” nas várias versões apresentadas para a sua demissão.
“O governo decidiu me difamar, e, mais importante, difamar o FBI, dizendo que a organização estava em desarranjo, que era mal liderada e que seus funcionários perderam a confiança no chefe.”
O depoimento mobilizou Washington, e até bares abriram mais cedo para transmitir a sessão ao vivo. Duas horas antes do início da audiência, uma enorme fila já havia se formado no Capitólio.
Durante a audiência de duas horas e meia no Comitê de Inteligência do Senado, republicanos tentaram pressionar Comey para que ele dissesse que não houve ordem para encerrar a investigação sobre Flynn —o que poderia ser visto como tentativa de obstru- ção da Justiça, crime passível de impeachment. A ideia era atenuar a frase de Trump.
Comey relatou que, em um encontro no Salão Oval, no dia seguinte à renúncia de Flynn, Trump pediu para ser deixado a sós com ele e falou: “Ele [Flynn] é um cara bom. Espero que você esteja disposto a deixar isso passar, a deixar Flynn de lado”.
“Eu tomei como orientação”, respondeu Comey aos senadores. “Trata-se do presidente dos EUA, sozinho comigo, dizendo ‘eu espero que’. Entendi que era o que ele queria que eu fizesse.”
Em outro momento da sessão, o ex-diretor ressaltou que se sentiu intimidado quando Trump dispensou todos os presentes à reunião — inclusive o secretário de Justiça, Jeff Sessions, a quem Comey respondia— para fazer o pedido. “Por que ele tirou todo mundo do Salão Oval? Como investigador, isso para mim é muito significativo.”
Ao comentar declarações de Trump de que teria gravado as conversas entre eles, Comey disse não ver problema em o presidente liberar a gravação. “Deus, eu espero que elas existam”, disse.
Após o depoimento, o advogado de Trump, Marc Kasowitz, disse que seu cliente “nunca pressionou Comey”: “O presidente nunca, em forma ou substância, ordenou ou sugeriu ao sr. Comey parar de investigar alguém”.
Para o professor de direito da Universidade Cornell Jens David Ohlin, no entanto, Trump “deixou claro seu desejo e demitiu Comey quando os desejos não foram satisfeitos”. “O que importa é a atitude que Trump tomou ao ficar claro que Comey continuava a investigação”, disse Ohlin ao “Washington Post”.
Durante a sessão, o ex-diretor foi questionado se ele acreditava que tenha havido conluio entre Trump e Moscou para manipular a campanha eleitoral. Corey se negou a responder publicamente.
O presidente americano, Donald Trump, incorreu no crime de obstrução da Justiça ao pedir que o diretor do FBI, James Comey, abandonasse uma investigação e, depois, ao demiti-lo?
Essa é a questão a ser respondida a partir da audiência de Comey no Senado, nesta quinta-feira (8).
Segundo a lei americana, é crime influenciar, obstruir ou impedir que uma agência do governo conduza uma investigação. Isso inclui desde queimar provas de um crime e matar uma testemunha até métodos mais sutis.
O ex-presidente Richard Nixon se viu forçado a renunciar, em 1974, ao ser flagrado em gravações sugerindo que o diretor do FBI deveria bloquear investigações sobre o arrombamento do escritório do partido Democrata no edifício Watergate, em Washington.
“Diga que eles devem ligar para o FBI e falar que, pelo país, não queremos que prossigam com o caso e ponto final”, diz Nixon.
O imbróglio ComeyTrump também envolve suposta pressão sobre um diretor do FBI para brecar investigações, embora não existam gravações.
Pelo menos, não ainda. Segundo memorandos de Comey, Trump teria dito a ele: “Espero que você esteja disposto a deixar isso passar, a deixar [Michael] Flynn de lado”, referindo-se às investigações sobre os contatos do conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca com Moscou.
Na audiência, republicanos recorreram a acrobacias verbais. “O presidente disse ‘espero que’. Você conhece algum caso em que uma pessoa foi acusada de obstrução da Justiça ao dizer que esperava um determinado resultado?”, indagou o senador Jim Risch.
Comey afirmou ter encarado o pedido como “orientação”: “Trata-se do presidente dos EUA, sozinho comigo, dizendo ‘eu espero que’. Entendi que era o que ele queria que eu fizesse”.
Em 9 de maio, Comey foi demitido pelo presidente. Trump afirmou, em reunião com russos: “Acabo de demitir o diretor do FBI. Ele era um maluco. Eu estava enfrentando muita pressão por causa da Rússia, e isso agora acabou.”
Para demonstrar que uma autoridade incorreu em obstrução da Justiça, é preciso provar que houve intenção de bloquear a investigação, o que é sempre difícil.
Republicanos dizem que Trump é um empresário sem experiência no governo e não tinha noção de que seus contatos com Comey eram inapropriados. Resta ver se essa ignorância é real.