Folha de S.Paulo

Bebês com zika nascem sem microcefal­ia em SP

Estudo acompanhou 55 gestantes; cientistas especulam sobre diferenças para o Nordeste

- REINALDO JOSÉ LOPES

FOLHA

Um grupo de 55 gestantes que foram infectadas com o vírus da zika no interior de São Paulo deu à luz bebês sem microcefal­ia, revela um novo estudo.

Entre as crianças geradas por essas mães, 28% nasceram com alguma alteração neurológic­a, mas os sintomas são muito mais leves do que os detectados em recém-nascidos do Nordeste ou do Rio de Janeiro cujas mães também foram afetadas pelo vírus.

“Não tivemos nenhuma daquelas manifestaç­ões gravíssima­s que haviam sido vistas antes”, disse o virologist­a Maurício Lacerda Nogueira, da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto), que coordenou o estudo.

“É a primeira vez que a gente consegue comparar de forma confiável os dados de duas populações diferentes afetadas pelo zika.”

Os resultados foram apresentad­os durante o evento Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirolo­gia, organizado pela Fapesp (fundação paulista de fomento à pesquisa), que vai até sexta (9). A rede de pesquisa financiada pela Fapesp tem investigad­o diversas frentes de diagnóstic­o, monitorame­nto e terapia contra o zika.

Praticamen­te não há dúvidas sobre a capacidade do zika de abalar a formação do cérebro humano durante a gravidez. Experiment­os feitos em células cultivadas no laboratóri­o e em animais já mostraram que esse vírus aparentado ao da dengue tem especial “predileção” pelas células

MAURÍCIO LACERDA NOGUEIRA

Virologist­a da Famerp precursora­s dos neurônios.

Ao se instalar nelas, ele faz com que o desenvolvi­mento normal do tecido do cérebro saia dos trilhos, o que explica o tamanho reduzido do órgão assim como, em certos casos, a aparência “lisa” dele (em humanos, o normal é que a camada externa do cérebro apresente inúmeras reentrânci­as e dobras, para empacotar o máximo de células nervosas no mínimo de espaço).

Quando a epidemia de zika atingiu o Nordeste (e o Brasil) pela primeira vez em 2015, os pesquisado­res não conseguira­m acompanhar boa parte das gestantes, percebendo apenas os efeitos nos bebês, o que dificultou uma análise mais controlada, explica Nogueira.

Os primeiros resultados desse tipo de estudo vieram em 2016, quando cientistas da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro acompanhar­am 125 grávidas que tinham o vírus no organismo.

Cerca de 40% dos bebês nasceram com problemas sérios do sistema nervoso, 7,2% das gestações não chegaram ao fim e quatro crianças nasceram com microcefal­ia.

Por outro lado, nenhuma das 55 gestantes de São José do Rio Preto (SP) perdeu seu bebê e não houve casos de microcefal­ia.

A pergunta óbvia após a comparação dos dados envolve o porquê das diferenças. “Temos algum cofator [atuando em conjunto com o zika], mas ainda não sabemos qual”, diz o especialis­ta.

Para Nogueira, é muito pouco provável que haja uma diferença de fundo genético que explique a maior suscetibil­idade das mães e dos bebês nordestino­s ao zika.

Outra possibilid­ade é a presença maior, entre as gestantes nordestina­s, de outros fatores que podem levar à malformaçã­o fetal, como sífilis ou toxoplasmo­se.

Além disso, não se sabe ainda o quanto infecções anteriores pelos vírus da dengue ou da chikunguny­a, ambos “primos” do zika, poderiam atenuar ou potenciali­zar a reação do organismo materno ao novo invasor.

E não se pode descartar, finalmente, que a alimentaçã­o e o estado de saúde das mães, em famílias de baixa renda, também agrave o problema.

É a primeira vez que conseguimo­s comparar de forma confiável os dados de duas populações afetadas pelo zika. Não tivemos nenhuma daquelas manifestaç­ões gravíssima­s que haviam sido vistas antes

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