Folha de S.Paulo

Momento político é tema de estreia teatral

- MARIANA MARINHO

“Me desculpe, eu não queria parecer chata, na verdade eu queria ser sensual, leve e calada, mas eu fecho os olhos e tem um tipo de guerra acontecend­o. Eu fecho os olhos e é como estar em Marte, uma coisa meio árida e solitária”, diz D, uma mulher acima dos 35 anos que “anda o tempo todo sobre brasas”.

A fala da personagem sugere a atmosfera distópica criada pela dramaturga mineira Silvia Gomez em “Marte, Você Está Aí?”, espetáculo em cartaz a partir desta sexta (9), no Auditório Masp.

A autora coloca em cena o momento político do Brasil tomando como ponto de partida as manifestaç­ões de “ruas inflamadas”, segundo ela, vistas desde 2013 no país.

“Porém é um olhar de dentro para fora”, diz Gomez, 39, expoente de uma nova geração de dramaturgo­s —foi vencedora, em 2015, dos prêmios APCA e Aplauso Brasil pelo texto “Mantenha Fora do Alcance do Bebê”.

Ela parte de um ambiente doméstico e das contradiçõ­es de três personagen­s para levar ao palco mais perguntas do que respostas.

“A peça deixa um espaço aberto para o público ler com sua própria subjetivid­ade. Gosto do mistério que há nela”, comenta Michelle Ferreira, dramaturga contemporâ­nea de Gomez (ambas integraram o Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho) e atriz da montagem.

Ferreira é D, militante que não se relaciona com a mãe (Selma Egrei), ativista que foi torturada em uma ditadura e hoje leva a vida de forma aparenteme­nte fútil. Com a chegada de um misterioso intruso, papel de Jorge Emil, surge a possibilid­ade de elas retomarem contato.

Para o ator, Silvia Gomez consegue apresentar a “tragédia brasileira” sem setorizar ou tomar um partido. “É um dos textos mais difíceis que já montei. Demanda bastante concentraç­ão. São personagen­s complexos.”

“Os três são afetados pelo que está acontecend­o no mundo [há bombas e ruas em chamas] e você vê que ninguém consegue passar imune por um acontecime­nto político”, afirma Ferreira.

Neste cenário, surge um fascínio por Marte, que está cada vez mais brilhante e próximo da Terra. Para Gomez, ele representa, entre outras possíveis leituras, um contraditó­rio desejo de buscar a felicidade fora do nosso mundo, em Marte, mesmo o planeta não garantindo a sobrevivên­cia humana.

“É uma espécie de Pasárgada apocalípti­ca”, afirma a autora, que prefere trabalhar mais com simbolismo­s do que com aspectos documentai­s.

“O clima é de um estado de ameaça e de incerteza seme- lhante ao que temos vivido”, afirma o diretor Gabriel Fontes Paiva, para quem o título da peça traz uma das questões mais interessan­tes colocadas no palco. “O nome é como uma pergunta à nossa geração. Algo como: ‘Ei, você está aí? Está fazendo algo ou está só assistindo?”, diz. QUANDO sex. e sáb.: 21h; dom.: 20h; de 9/6 a 30/7 ONDE Auditório Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959 QUANTO R$20 CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos

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Lenise Pinheiro/Folhapress As atrizes Michelle Ferreira e Selma Egrei são filha e mãe

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