Folha de S.Paulo

Ao menos uma boa ideia

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Na tentativa de tirar o foco da crise política, o governo Michel Temer (PMDB) ensaia uma agenda positiva —conforme o desgastado jargão de Brasília— na economia.

Como se demonstrou à farta durante a administra­ção petista, iniciativa­s do gênero raramente resultam em benefícios duradouros.

Novamente em estudo, medidas como incentivos fiscais, concessão de crédito subsidiado e renegociaç­ões de dívidas proporcion­am alívio pontual a setores específico­s, em geral com custo futuro para a coletivida­de.

Felizmente, uma das opções aventadas pelo governo é o início da reforma tributária —a partir de uma estratégia já estabeleci­da antes, mas até aqui sempre adiada.

De mais fundamenta­l, pretende-se simplifica­r impostos e contribuiç­ões sociais incidentes sobre o consumo de mercadoria­s e serviços, que respondem por metade da arrecadaçã­o pública.

Trata-se de tarefa mais difícil e importante do que pode parecer. Excessivo, o peso de tal taxação é sentido sobretudo pelos mais pobres, que destinam parcela maior de sua renda ao consumo.

Mas não só: a coexistênc­ia de múltiplos tributos e suas legislaçõe­s intrincada­s eleva os custos das empresas e sobrecarre­ga os tribunais de questionam­entos.

Por uma questão de realismo político, a reforma deve ser feita gradualmen­te. De início, altera-se apenas o PIS, contribuiç­ão que representa não mais de 4% da arrecadaçã­o federal. Do cipoal de cerca de 30 alíquotas atuais, restariam 2.

Se bem-sucedida, a experiênci­a será estendida à gigante Cofins (16% da arrecadaçã­o). O processo implica contrariar setores e empresas hoje favorecido­s por regimes especiais que proliferar­am desde a década passada.

A etapa mais árdua, porém, será a seguinte: redesenhar o ICMS, maior imposto do país e principal fonte de receita dos Estados.

Nesse ponto empacaram todas as reformas tributária­s tentadas nas últimas duas décadas. Há que convencer 26 Estados e o Distrito Federal a convergire­m para uma legislação comum, abrindo mão de políticas de incentivo regional.

É irrealista imaginar que uma negociação desse porte, a envolver perdas e ganhos das unidades da Federação, se dê no atual ambiente. Qualquer avanço da agenda, de todo modo, será bem-vindo.

Mais à frente, o país terá de discutir não apenas a complexida­de mas também a justiça de seu sistema de impostos. O caminho, também politicame­nte espinhoso, passa por deslocar parte da taxação do consumo para a da renda elevada.

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