A liberdade de ir e vir e o muro de Trump
No dia em que houver uma renda básica de cidadania incondicional, não haverá razão para existirem muros que separem as pessoas
A proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de construir um muro ao longo de toda a fronteira entre os EUA e o México terá um efeito muito negativo para os povos das três Américas.
Na obra “Desenvolvimento como Liberdade”, o prêmio Nobel Amartya Sen enfatiza duas importantes contribuições de Adam Smith e Karl Marx ao mostrar como a liberdade de movimento das pessoas é vital para o desenvolvimento.
Smith afirmou que a autonomia de comércio e de troca é parte essencial das liberdades básicas. Limitar a participação no mercado de trabalho é forma de manter a sujeição ao serviço quase escravo.
Embora Marx fosse crítico do capitalismo, soube reconhecer alguns de seus aspectos. Assim, em “O Capital”, caracterizou a Guerra Civil Americana como o “grande evento da história contemporânea” por ter acabado com a escravidão. Ressaltou a importância da liberdade do contrato de trabalho.
Os Estados Unidos são conhecidos em todo o mundo por sua defesa da liberdade de comércio, de capital, de bens e serviços. Da mesma forma, são entusiastas da ideia de livre circulação de seres humanos.
Trump, contudo, põe em risco todo esse legado. E pior de tudo —num projeto que demandará imenso orçamento. Segundo o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, o muro está avaliado em US$ 28,5 bilhões. Trump afirma que o México vai pagar por ele. Os democratas tentam impedir que o Congresso americano aprove um aporte inicial de US$ 1,4 bilhão para construí-lo.
O que a América realmente necessita é construir condições para que todos possam ter liberdade de movimento e de viver em qualquer país. Para atingir essa meta, temos de avançar no caminho para instituir os instrumentos da política econômica que signifiquem a aplicação de princípios da justiça.
Um bom exemplo é a criação da renda básica de cidadania: o direito de cada pessoa —não importa origem, idade, raça, sexo, condição civil ou socioeconômica— de participar da riqueza da nação por meio de uma renda que será suficiente para atender a suas necessidades básicas.
O presidente Donald Trump pode estudar os efeitos da experiência bem-sucedida do Alasca. O governo do Estado, desde 1982, paga a todos os que lá vivem há pelo menos um ano um rendimento anual resultado da riqueza acumulada do Fundo Permanente do Alasca.
Desde 1980, 25% dos royalties da exploração de recursos naturais, como o petróleo, são investidos nesse fundo. O resultado foi notável. Há 40 anos, o Alasca era o Estado americano com maior índice de desigualdade. Hoje é o menos desigual, ao lado de Utah. Seria um suicídio político para qualquer líder da região propor o fim desse sistema.
Em mensagem recente, o papa Francisco disse que a sociedade não deve criar muros, mas sim pontes para incentivar as boas relações. No dia em que houver uma renda básica de cidadania incondicional para todas as pessoas, não haverá razão para existirem muros que separem os EUA do México e de todas as nações da América Latina. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY,