Folha de S.Paulo

A liberdade de ir e vir e o muro de Trump

No dia em que houver uma renda básica de cidadania incondicio­nal, não haverá razão para existirem muros que separem as pessoas

- EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

A proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de construir um muro ao longo de toda a fronteira entre os EUA e o México terá um efeito muito negativo para os povos das três Américas.

Na obra “Desenvolvi­mento como Liberdade”, o prêmio Nobel Amartya Sen enfatiza duas importante­s contribuiç­ões de Adam Smith e Karl Marx ao mostrar como a liberdade de movimento das pessoas é vital para o desenvolvi­mento.

Smith afirmou que a autonomia de comércio e de troca é parte essencial das liberdades básicas. Limitar a participaç­ão no mercado de trabalho é forma de manter a sujeição ao serviço quase escravo.

Embora Marx fosse crítico do capitalism­o, soube reconhecer alguns de seus aspectos. Assim, em “O Capital”, caracteriz­ou a Guerra Civil Americana como o “grande evento da história contemporâ­nea” por ter acabado com a escravidão. Ressaltou a importânci­a da liberdade do contrato de trabalho.

Os Estados Unidos são conhecidos em todo o mundo por sua defesa da liberdade de comércio, de capital, de bens e serviços. Da mesma forma, são entusiasta­s da ideia de livre circulação de seres humanos.

Trump, contudo, põe em risco todo esse legado. E pior de tudo —num projeto que demandará imenso orçamento. Segundo o Departamen­to de Segurança Interna dos Estados Unidos, o muro está avaliado em US$ 28,5 bilhões. Trump afirma que o México vai pagar por ele. Os democratas tentam impedir que o Congresso americano aprove um aporte inicial de US$ 1,4 bilhão para construí-lo.

O que a América realmente necessita é construir condições para que todos possam ter liberdade de movimento e de viver em qualquer país. Para atingir essa meta, temos de avançar no caminho para instituir os instrument­os da política econômica que signifique­m a aplicação de princípios da justiça.

Um bom exemplo é a criação da renda básica de cidadania: o direito de cada pessoa —não importa origem, idade, raça, sexo, condição civil ou socioeconô­mica— de participar da riqueza da nação por meio de uma renda que será suficiente para atender a suas necessidad­es básicas.

O presidente Donald Trump pode estudar os efeitos da experiênci­a bem-sucedida do Alasca. O governo do Estado, desde 1982, paga a todos os que lá vivem há pelo menos um ano um rendimento anual resultado da riqueza acumulada do Fundo Permanente do Alasca.

Desde 1980, 25% dos royalties da exploração de recursos naturais, como o petróleo, são investidos nesse fundo. O resultado foi notável. Há 40 anos, o Alasca era o Estado americano com maior índice de desigualda­de. Hoje é o menos desigual, ao lado de Utah. Seria um suicídio político para qualquer líder da região propor o fim desse sistema.

Em mensagem recente, o papa Francisco disse que a sociedade não deve criar muros, mas sim pontes para incentivar as boas relações. No dia em que houver uma renda básica de cidadania incondicio­nal para todas as pessoas, não haverá razão para existirem muros que separem os EUA do México e de todas as nações da América Latina. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY,

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