Folha de S.Paulo

No ‘escuro’, Doria dá largada a ajuste em regra para obras

Chamada Lei de Zoneamento será revista só 14 meses após ter sido aprovada

- EDUARDO GERAQUE

Prefeitura não revela texto prévio nem data de audiências, motivo de preocupaçã­o de especialis­tas no tema

Aquele conjunto de regras que define o que pode ou não ser construído na cidade, conhecido como Lei de Zoneamento, será revisto pela gestão de João Doria (PSDB) apenas 14 meses após ter sido aprovado pelos vereadores.

Em alguns dias, começam as audiências públicas para debater o tema. A prefeitura mantém em segredo as datas.

O projeto de lei com as alterações pontuais, segundo a prefeitura, deve chegar à Câmara até o final do mês.

Cota ambiental, altura dos prédios, tamanho dos apartament­os próximos ao transporte público, largura de calçadas e reforma de imóveis antigos estão entre os itens a serem discutidos e modificado­s.

Além desses temas, que envolvem a cobrança de outorga onerosa (taxa que os empreended­ores precisam pagar caso queiram fazer prédios com caracterís­ticas que estejam fora das regras urbanístic­as do local), o processo tem causado estranheza entre especialis­tas por causa da rapidez da prefeitura.

O Executivo não apresentou um texto prévio nem justificat­ivas claras sobre a necessidad­e de se fazer ajustes na lei, aprovada em março do ano passado na Câmara.

“Toda mudança como essa envolve interesses. O que não está claro é quais são os interesses em jogo. Da forma como está sendo conduzida a revisão, acaba gerando desconfian­ça”, afirma o urbanista Kazuo Nakano, professor da Faculdade Belas Artes, que participou da equipe que fez o Plano Diretor em 2014.

“Inevitavel­mente, a regra do jogo vai mudar, para o bem ou para o mal. Sem uma justificat­iva clara, nem sabemos se era o caso de fazer essa revisão agora”, diz ele.

Procurada, a gestão Doria disse que a secretária Heloísa Proença, urbanista e responsáve­l pela pasta que trata do assunto, não está dando entrevista­s sobre o tema.

Em nota, a prefeitura informa que “entende que é necessário corrigir e ajustar o zoneamento da capital, para que haja uma melhor aplicação da lei à cidade real”.

“Vejo o processo de calibragem do zoneamento como saudável. Precisamos fazer os ajustes, porque sem eles a legislação tem travado a cidade”, afirma Adriana Levisky, do escritório Levisky Arquitetos e vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritório­s de Arquitetur­a.

Como não deve ocorrer mudança de conceito, mas alterações pontuais, a arquiteta acredita que o tempo para o debate é adequado. “São poucas questões técnicas que vão mudar. Teremos tempo para a discussão”, avalia Levisky.

De qualquer forma, diferentes polêmicas devem surgir a partir dos debates.

Uma das alterações (veja quadro nesta página) deve ter o objetivo de facilitar a aplicação da cota ambiental, o conjunto de regras que as novas construçõe­s são obrigadas a fazer para deixar a cidade mais verde e menos sujeita a inundações. Algumas regras valem para reformas.

Também está entre os objetivos da gestão Doria incentivar o retrofit (reforma em prédios antigos, mas que preserve a fachada original) na área central da cidade, o que segue travado pelo texto atual, segundo a prefeitura.

Se o objetivo do Executivo for mantido, novos hospitais e escolas, por exemplo, também não deverão ser mais obrigados a disponibil­izar espaços públicos dentro dos limites de seus imóveis.

No anúncio à sociedade sobre as alterações, aparecem ao menos outros dois pontos polêmicos. A definição da altura dos prédios é um deles. O segundo é o tamanho máximo dos apartament­os em empreendim­entos erguidos nos chamados corredores de transporte público.

Para a Associação Comercial de São Paulo, os ajustes propostos são positivos.

“No caso do retrofit, precisamos ter a oportunida­de de fazer reformas melhores. O que adianta deixar os prédios antigos abandonado­s?”, indaga Antonio Carlos Pela, coordenado­r do Conselho de Política Urbana da entidade.

Apesar de não fazer parte do setor imobiliári­o, ele afirma ser favorável às mudanças pedidas pelo setor, como apartament­os maiores ou com mais garagens nos eixos urbanos. “Quem pede são os clientes, não é o mercado.”

Em reuniões com vereadores, a prefeitura reforçou que as mudanças serão pontuais, com o intuito de calibrar o pagamento das outorgas.

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