No ‘escuro’, Doria dá largada a ajuste em regra para obras
Chamada Lei de Zoneamento será revista só 14 meses após ter sido aprovada
Prefeitura não revela texto prévio nem data de audiências, motivo de preocupação de especialistas no tema
Aquele conjunto de regras que define o que pode ou não ser construído na cidade, conhecido como Lei de Zoneamento, será revisto pela gestão de João Doria (PSDB) apenas 14 meses após ter sido aprovado pelos vereadores.
Em alguns dias, começam as audiências públicas para debater o tema. A prefeitura mantém em segredo as datas.
O projeto de lei com as alterações pontuais, segundo a prefeitura, deve chegar à Câmara até o final do mês.
Cota ambiental, altura dos prédios, tamanho dos apartamentos próximos ao transporte público, largura de calçadas e reforma de imóveis antigos estão entre os itens a serem discutidos e modificados.
Além desses temas, que envolvem a cobrança de outorga onerosa (taxa que os empreendedores precisam pagar caso queiram fazer prédios com características que estejam fora das regras urbanísticas do local), o processo tem causado estranheza entre especialistas por causa da rapidez da prefeitura.
O Executivo não apresentou um texto prévio nem justificativas claras sobre a necessidade de se fazer ajustes na lei, aprovada em março do ano passado na Câmara.
“Toda mudança como essa envolve interesses. O que não está claro é quais são os interesses em jogo. Da forma como está sendo conduzida a revisão, acaba gerando desconfiança”, afirma o urbanista Kazuo Nakano, professor da Faculdade Belas Artes, que participou da equipe que fez o Plano Diretor em 2014.
“Inevitavelmente, a regra do jogo vai mudar, para o bem ou para o mal. Sem uma justificativa clara, nem sabemos se era o caso de fazer essa revisão agora”, diz ele.
Procurada, a gestão Doria disse que a secretária Heloísa Proença, urbanista e responsável pela pasta que trata do assunto, não está dando entrevistas sobre o tema.
Em nota, a prefeitura informa que “entende que é necessário corrigir e ajustar o zoneamento da capital, para que haja uma melhor aplicação da lei à cidade real”.
“Vejo o processo de calibragem do zoneamento como saudável. Precisamos fazer os ajustes, porque sem eles a legislação tem travado a cidade”, afirma Adriana Levisky, do escritório Levisky Arquitetos e vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura.
Como não deve ocorrer mudança de conceito, mas alterações pontuais, a arquiteta acredita que o tempo para o debate é adequado. “São poucas questões técnicas que vão mudar. Teremos tempo para a discussão”, avalia Levisky.
De qualquer forma, diferentes polêmicas devem surgir a partir dos debates.
Uma das alterações (veja quadro nesta página) deve ter o objetivo de facilitar a aplicação da cota ambiental, o conjunto de regras que as novas construções são obrigadas a fazer para deixar a cidade mais verde e menos sujeita a inundações. Algumas regras valem para reformas.
Também está entre os objetivos da gestão Doria incentivar o retrofit (reforma em prédios antigos, mas que preserve a fachada original) na área central da cidade, o que segue travado pelo texto atual, segundo a prefeitura.
Se o objetivo do Executivo for mantido, novos hospitais e escolas, por exemplo, também não deverão ser mais obrigados a disponibilizar espaços públicos dentro dos limites de seus imóveis.
No anúncio à sociedade sobre as alterações, aparecem ao menos outros dois pontos polêmicos. A definição da altura dos prédios é um deles. O segundo é o tamanho máximo dos apartamentos em empreendimentos erguidos nos chamados corredores de transporte público.
Para a Associação Comercial de São Paulo, os ajustes propostos são positivos.
“No caso do retrofit, precisamos ter a oportunidade de fazer reformas melhores. O que adianta deixar os prédios antigos abandonados?”, indaga Antonio Carlos Pela, coordenador do Conselho de Política Urbana da entidade.
Apesar de não fazer parte do setor imobiliário, ele afirma ser favorável às mudanças pedidas pelo setor, como apartamentos maiores ou com mais garagens nos eixos urbanos. “Quem pede são os clientes, não é o mercado.”
Em reuniões com vereadores, a prefeitura reforçou que as mudanças serão pontuais, com o intuito de calibrar o pagamento das outorgas.