Folha de S.Paulo

Além da corrupção

Administra­ção irresponsá­vel de Sérgio Cabral contribuiu muito mais para a ruína do Rio de Janeiro do que os desvios de recursos públicos

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Fora do universo das discussões técnicas das contas públicas, não raro se culpa a corrupção pela situação orçamentár­ia calamitosa de governos brasileiro­s. Na sentença em que condenou o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro, o juiz Sergio Moro resvalou nessa tentação.

Em estimativa­s recentes, os investigad­ores da Lava Jato atribuem a Cabral e a seu grupo desvios na casa das centenas de milhões ao longo de dois mandatos.

O balanço parcial é, decerto, assombroso. Tal monta de recursos poderia mesmo atenuar parte do sofrimento dos habitantes do Rio, que assistem à ruína de serviços básicos e à falta de pagamento aos servidores estaduais.

Ainda assim, as ordens de grandeza da corrupção e do despautéri­o administra­tivo são diferentes. Basta dizer que a receita do governo fluminense aproximou-se dos R$ 50 bilhões no ano passado.

O problema central das contas, ao que tudo indica, foi o rápido e agudo aumento da despesa com pessoal —de espantosos 70% de 2009 a 2015, quando chegou a R$ 31,7 bilhões. Nenhum Estado inflou tanto sua folha de pagamentos no período, conforme levantamen­to do Tesouro Nacional.

No ano passado, os encargos com servidores ativos e inativos consumiram nada menos de 72% da receita do Rio, bem acima do limite legal de 60%. O endividame­nto, aliás, também extrapolou o teto, de 200% pela legislação.

A administra­ção do peemedebis­ta elevou despesas permanente­s fiando-se, de maneira irresponsá­vel, no excelente momento das receitas voláteis do petróleo —em vez de criar fundos ou abater dívidas, como seria recomendáv­el. A queda posterior dos preços apenas evidenciou o desatino.

Por meia dúzia de anos, viveuse a ilusão de riqueza; em valores corrigidos, a arrecadaçã­o disponível passou dos R$ 60 bilhões em 2013. Montado em tal bonança, o governo empenhou-se na concessão de benefícios fiscais sem racionalid­ade econômica, instalando empresas que seriam apenas sustentáve­is por meio de subsídios.

Enfim, o Estado exemplific­ou, na plenitude, o que estudiosos chamam de “maldição dos recursos naturais” —a combinação de desperdíci­o, pilhagem de verbas e regressão econômica verificada em países de instituiçõ­es rudimentar­es, temporaria­mente beneficiad­os pela alta dos preços de produtos primários agrícolas ou minerais.

Por assombroso que seja o custo da corrupção, o Rio de Janeiro foi levado ao desastre, sobretudo, pela tolerância geral com uma gestão evidenteme­nte perdulária. Haveria ruína mesmo que o Estado não fosse comandado por bucaneiros. BRASÍLIA -

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