Folha de S.Paulo

Duas mulheres

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RIO DE JANEIRO - Na quarta (14), a imprensa noticiou a morte em Buenos Aires de uma mulher e tanto: Ernestina Herrera de Noble, 92 anos, diretora do jornal “Clarín” e de um conglomera­do que inclui um canal de TV aberta, uma emissora de rádio e um provedor de TV a cabo e de internet, os mais importante­s da Argentina. Entre 2007 e 2015, Ernestina sustentou corajosa oposição ao governo da presidente Cristina Kirchner, denunciand­o sua política econômica e sua corrupção. Em troca, Kirchner tentou destruir o “Clarín”. Não conseguiu.

Em seu obituário de Ernestina, “O Globo” a deu como “a primeira mulher a comandar um grande jornal no continente”. Não é exato. Posso não saber de outras, mas, neste continente, houve uma que a antecipou em pelo menos seis anos: Niomar Moniz Sodré Bittencour­t (19162003), diretora do brasileiro “Correio da Manhã”, do Rio.

A trajetória das duas mulheres tem incríveis pontos de contato. Ambas eram casadas com donos de grandes jornais e, com a morte dos maridos, assumiram esses jornais —Niomar, em 1963, e Ernestina, em 1969. As duas tiveram de conduzi-los sob pesada ditadura militar. E aí cessam as semelhança­s.

Ernestina, como relatou Sylvia Colombo na Folha, fez vista grossa à brutalidad­e do Estado argentino no período 1976-1983 e viu seus negócios prosperare­m. Já Niomar pôs o “Correio da Manhã” na oposição a Castelo Branco e Costa e Silva (1964-1969) e teve seu jornal asfixiado, bombardead­o, invadido, ocupado e, finalmente, tornado inviável —ela própria foi presa na sequência do Ato Institucio­nal nº 5. O grupo a quem repassou temporaria­mente o controle do jornal em 1969 acabou de arrasá-lo e ele fechou em 1974 —aos 73 anos de vida.

Que não se lembrem de Niomar, tolera-se. Mas é a história do “Correio da Manhã” que está sendo apagada da memória nacional. CLAUDIA COSTIN

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