Folha de S.Paulo

Decisão do TSE foi anômala, mas não é colapso da democracia

- MARCUS MELO é professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco. É coautor do livro “Brazil in Transition”

FOLHA

Ao tomar conhecimen­to do habeas corpus impetrado por Rui Barbosa em favor de parlamenta­res que haviam sido presos, o marechal Floriano Peixoto reagiu: “Essa notícia me contraria sobremodo. Não sei amanhã quem dará habeas corpus aos ministros do Supremo Tribunal!”.

É quase um clichê afirmar que as nossa cortes superiores são a última linha de defesa da democracia. A decisão do TSE de absolver a chapa Dilma-Temer provocou assim uma profunda frustração. Mais que uma não linearidad­e, é uma anomalia no processo institucio­nal recente. Mas não por razões alegadas frequentem­ente.

Tomar esta decisão como sinalizand­o o colapso das bases constituci­onais da democracia brasileira vale como figura de retórica, mas é descabido num juízo mais técnico. Houve evidente plano de voo traçado entre membros do colegiado, o que não é incomum ou ilegal. O placar foi muito apertado, 4 x 3, similar ao 5 x 4 da Suprema Corte dos EUA do pedido de anular o pleito Bush versus Gore.

Não foi uma conjunção insólita de fatores um réu se deparar com uma janela de oportunida­de para nomear quase um terço do colegiado que vai decidir sobre ele às vésperas do julgamento.

Mesmo que a fortuidade tenha sido fabricada —o presidente do Tribunal Superior Eleitoral tem e exerceu discricion­ariedade sobre o timing dos trabalhos, garantindo o resultado que buscava.

Maquiavel diria virtú (astúcia) e fortuna (oportunida­de), mas não o teria antecipado por insólito. Hipermaqui­avelismo com consequênc­ias profundas para o Estado de Direito. Anomalia, sim, mas com consequênc­ias duradouras.

O argumento consequenc­ialista invocado por Gilmar Mendes sobre a instabilid­ade inverte o consenso na ciência política. Toma-se a febre como causa da moléstia.

O crime não é combatido pela ausência de sanções. É o contrário, são as sanções que o previnem. Estabilida­de não é ausência de mudança —mire-se o exemplo das autocracia­s: é fazer cumprir a lei quando é mais necessária.

Malgrado a cacofonia individual, as decisões coletivas das cortes superiores têm sido consistent­es. Desde o mensalão os ministros do STF têm sofridos apupos. Nada garante que não precisem de habeas corpus no futuro. MARCUS MELO

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