Decisão do TSE foi anômala, mas não é colapso da democracia
FOLHA
Ao tomar conhecimento do habeas corpus impetrado por Rui Barbosa em favor de parlamentares que haviam sido presos, o marechal Floriano Peixoto reagiu: “Essa notícia me contraria sobremodo. Não sei amanhã quem dará habeas corpus aos ministros do Supremo Tribunal!”.
É quase um clichê afirmar que as nossa cortes superiores são a última linha de defesa da democracia. A decisão do TSE de absolver a chapa Dilma-Temer provocou assim uma profunda frustração. Mais que uma não linearidade, é uma anomalia no processo institucional recente. Mas não por razões alegadas frequentemente.
Tomar esta decisão como sinalizando o colapso das bases constitucionais da democracia brasileira vale como figura de retórica, mas é descabido num juízo mais técnico. Houve evidente plano de voo traçado entre membros do colegiado, o que não é incomum ou ilegal. O placar foi muito apertado, 4 x 3, similar ao 5 x 4 da Suprema Corte dos EUA do pedido de anular o pleito Bush versus Gore.
Não foi uma conjunção insólita de fatores um réu se deparar com uma janela de oportunidade para nomear quase um terço do colegiado que vai decidir sobre ele às vésperas do julgamento.
Mesmo que a fortuidade tenha sido fabricada —o presidente do Tribunal Superior Eleitoral tem e exerceu discricionariedade sobre o timing dos trabalhos, garantindo o resultado que buscava.
Maquiavel diria virtú (astúcia) e fortuna (oportunidade), mas não o teria antecipado por insólito. Hipermaquiavelismo com consequências profundas para o Estado de Direito. Anomalia, sim, mas com consequências duradouras.
O argumento consequencialista invocado por Gilmar Mendes sobre a instabilidade inverte o consenso na ciência política. Toma-se a febre como causa da moléstia.
O crime não é combatido pela ausência de sanções. É o contrário, são as sanções que o previnem. Estabilidade não é ausência de mudança —mire-se o exemplo das autocracias: é fazer cumprir a lei quando é mais necessária.
Malgrado a cacofonia individual, as decisões coletivas das cortes superiores têm sido consistentes. Desde o mensalão os ministros do STF têm sofridos apupos. Nada garante que não precisem de habeas corpus no futuro. MARCUS MELO