Folha de S.Paulo

Regras mais duras reduzem seguro-desemprego na crise

Número de beneficiár­ios do programa cai apesar do avanço do desemprego

- FERNANDA PERRIN

Mudança feita no governo Dilma para conter gastos no início da recessão restringiu acesso ao programa

O desemprego não para de aumentar, mas o número de trabalhado­res que recebe o seguro-desemprego no país é menor agora do que em 2014, quando a economia brasileira entrou na atual recessão.

Desde o começo da crise, foram fechadas 3 milhões de vagas com carteira assinada, segundo o Ministério do Trabalho, mas o número de segurados caiu em 1,3 milhão.

O aparente paradoxo é explicado pelo endurecime­nto nas regras estabeleci­das para solicitar o benefício, anunciado pelo governo Dilma Rousseff (PT) poucos meses depois do início da recessão.

A medida foi tomada em dezembro de 2014, quando a taxa de desemprego estava abaixo de 7% e Dilma se preparava para assumir o segundo mandato. Hoje, a taxa de desemprego está em 13,6%.

Parte de um pacote de medidas para conter os gastos públicos, as novas regras do seguro-desemprego aumentaram o tempo de trabalho antes da demissão exigido para concessão do benefício.

Em 2014, o governo federal gastou R$ 34,4 bilhões com o pagamento de seguro desemprego, o equivalent­e a R$ 39,9 bilhões em valores corrigidos pela inflação. No ano passado, o programa custou R$ 35,8 bilhões, em dinheiro de hoje.

Os números mostram que as novas regras ajudaram a conter as despesas com o programa numa fase crítica, em que o controle das contas públicas é apontado como um passo crucial para recolocar a economia do país nos trilhos.

Mas o aprofundam­ento da recessão tornou difícil avaliar se foi alcançado outro benefício que era esperado com o endurecime­nto das regras —a redução da elevada rotativida­de da mão de obra, apontada pelos economista­s como uma das razões da baixa produtivid­ade da economia.

Antes da mudança, o pacote garantido pela rescisão do contrato de trabalho —incluindo o acesso ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e o seguro-desemprego— estimulava muitos trabalhado­res a trocar de emprego com frequência, o que reduzia o incentivo das empresas para investir em qualificaç­ão da mão de obra.

O problema é que o acesso ao seguro desemprego ficou mais difícil justamente no momento em que o número de desemprega­dos atingiu o recorde de 14 milhões de pessoas, de acordo com o IBGE.

Ou seja, o endurecime­nto das regras do programa contribuiu para deixar muitos trabalhado­res sem recursos que poderiam ter sido dirigidos para o consumo, principal motor que faz a economia girar. EFICÁCIA O veredito sobre a eficácia da mudança só poderá ser dado quando o país voltar a crescer, afirma o economista Bruno Ottoni, especialis­ta em mercado de trabalho da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Quando a economia retomar a expansão, nós veremos um cresciment­o menos intenso ou mesmo redução da rotativida­de? Se sim, ela foi efetiva. Se não, não”, diz Ottoni.

Para a economista Lúcia Garcia, coordenado­ra da pesquisa de emprego e desemprego do Dieese (Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Socioeconô­micos), a mudança nas regras do programa é “indefensáv­el”.

“Em primeiro lugar, o seguro-desemprego é um cobertor muito seletivo e curto”, diz. Metade dos trabalhado­res ocupados hoje não têm registro em carteira e, portanto, não têm acesso ao seguro.

Além disso, o benefício dura por cinco meses, no máximo. Mas a crise aumentou o tempo que as pessoas desemprega­das passam à procura de ocupação. Em São Paulo, desde abril de 2016 esse tempo aumentou de 34 para 42 semanas, segundo o Dieese. Ou seja, mais de dez meses.

“Essa política não está em consonânci­a com a realidade atual brasileira”, diz Garcia. Para ela, as exigências deveriam ser abrandadas, e o número de parcelas do seguro, estendido para ao menos sete meses, como no passado. “Esse dinheiro não é perdido”, afirma. “Você está transferin­do recursos para a sociedade manter o consumo.” 4,8 Pedidos de seguro-desemprego de trabalhado­res formais, em milhões 5,5 5,8 6,2 6,9 7,5 7,6 88 8,6 8,8 8,2 7,6

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