Pai da reunificação, ex-chanceler alemão Helmut Kohl morre aos 87
Mais longevo líder eleito pelo voto no país, teve a difícil tarefa de integrar a Alemanha Oriental
Kohl teve sua imagem manchada pós-governo por denúncia de caixa 2 e viveu quase anônimo seus últimos anos FOLHA
O ex-chanceler alemão Helmut Kohl, arquiteto do processo de reunificação da Alemanha em 1990, morreu nesta sexta-feira (16), aos 87 anos, em sua casa na cidade de Ludwigshafen.
Kohl chefiou a Alemanha Ocidental de 1982 a 1990 e, até 1998, governou a Alemanha reunificada, tornando-se o chanceler democraticamente eleito que permaneceu por mais tempo no poder —no cargo desde 2005, Angela Merkel, de quem Kohl foi mentor, pode se igualar a ele se vencer as eleições gerais em setembro.
Reconhecido também por sua influência na adoção do euro pela Alemanha, Kohl era o patriarca de seu partido , a CDU (União Democrática Cristã). “Estamos de luto. Descanse em paz”, escreveu a CDU em uma rede social.
A saúde de Kohl estava debilitada desde que ele sofreu uma queda, em 2008, e passou a usar cadeira de rodas. Um derrame também limitou seus movimentos. REUNIFICAÇÃO Um dos bordões da política diz que grandes mudanças são quase sempre operadas por dirigentes conservadores. A reunificação da Alemanha Kohl é dos casos mais típicos.
É bem verdade que não coube a ele, como chanceler, provocar a implosão do comunismo, castelo de cartas que caiu juntamente com o Muro de Berlim, levando pouco depois à dissolução da União Soviética. Essa sucessão dramática de episódios pôs fim ao chamado “socialismo real” no Leste Europeu.
Mas Kohl foi responsável pela delicada operação que reativou o mapa do Estado alemão unificado, costurado por Otto Von Bismarck, em 1871, e que se dividiu em duas Alemanhas após a queda de Hitler, em 1945.
Paradoxalmente, a imagem pública de Helmut Kohl foi manchada um ano depois de sua saída do governo. Foi quando a mídia revelou a existência de um caixa dois com a qual a CDU financiou suas campanhas nos anos 80 e 90. Kohl, a princípio, disse que não tinha conhecimento de irregularidades.
Mais tarde, admitiu que cerca de 2 milhões de marcos (a moeda alemã à época, algo em torno de US$ 1 milhão) em doações não foram devidamente declarados durante seu governo. O partido pagou multa pesada, e Kohl teve sua reputação abalada.
Ele renunciou em 2000 à presidência de honra da CDU —fazendo justamente emergir o nome de Merkel, que foi ministra em seu gabinete— e passou os últimos anos de sua vida num programado e discreto anonimato.
Mas o ponto alto de sua biografia permanecerá a reunificação, desencadeada, no fim de 1989, pelo colapso da Alemanha Oriental (descendente da zona de ocupação soviética, em 1945) e pela queda do Muro de Berlim.
Internamente, Kohl se viu diante de um complicado quebra-cabeças, que era o de reintegrar à República Federal a então Alemanha Oriental, território economicamente assistencialista e ineficiente, segundo as fórmulas generosas do comunismo.
Sua principal decisão foi a de reconhecer a paridade entre o marco ocidental e o marco oriental, que no mercado negro valia três vezes menos. Era uma forma de assumir o prejuízo monetário para que os orientais tivessem o mesmo poder de compra no capi- talismo reinstituído em seus territórios.
Em termos externos, a questão era a de gerir a imagem de uma Alemanha que passaria a ser a incontestável maior economia da União Europeia. Nesse momento, Kohl recebeu o sinal verde e o estímulo do então presidente da França, o socialista François Mitterrand (1916-1996). A França abria mão da disputa pela hegemonia europeia, em favor de seu grande aliado e ex-inimigo histórico, desde a guerra franco-prussiana de 1871.
Helmut Kohl nasceu em Ludwigshafen, no Estado da Renânia-Palatinado, numa família católica. A religião o levou à juventude da CDU ainda como secundarista.
Continuou a militar ao entrar para a Universidade de Heidelberg, onde se formou em história e ciências políticas e fez doutorado. Jovem executivo numa indústria química de Ludwigshafen, elegeu-se vereador em 1960. Foi o início de uma carreira que o levaria, em 1969, ao cargo de governador da Renânia-Palatinado.
Indicado por seu partido como candidato a chanceler, em 1976, foi derrotado pela coalizão de centro esquerda, de Helmut Schmidt. Tornouse, então, líder da oposição no Bundestag (Parlamento). O social-democrata Schmidt caiu em outubro de 1982 após perder um voto de confiança parlamentar, e Kohl, aliado aos liberais, tornou-se chanceler. As eleições parlamentares do ano seguinte solidificaram seu poder, em aliança com a CSU, a União Social-Cristão da Baviera.
Kohl se dispôs a pagar o preço da modernização da exRDA (comunista) em quase todos os setores: estradas e sistema de transportes, habitação, parque industrial. E, numa consequência natural da reunificação, abandonou Bonn, junto ao rio Reno, e transferiu a capital para a reunificada Berlim.