Folha de S.Paulo

Problema está longe de ser exclusivo do país

- RENATA AGOSTINI ÁLVARO FAGUNDES DE SÃO PAULO DO EDITOR-ADJUNTO DE “MERCADO”

EDITOR-ADJUNTO DE “MERCADO”

A Venezuela transformo­use no menor mercado para o Brasil dentre os países da América do Sul. Imerso numa profunda crise econômica, o país cortou drasticame­nte a importação de produtos e o Brasil foi um dos mais afetados.

Trata-se agora de um destino menos relevante que Equador e Bolívia, países com população mais diminuta e que nunca chegaram perto do volume de encomendas já feito pela Venezuela, que, mesmo após quatro anos seguidos de recessão, é o terceiro maior PIB da região —atrás só de Brasil e Argentina.

No auge, em 2012, o mercado venezuelan­o chegou a absorver US$ 1,9 bilhão em bens brasileiro­s —levando em consideraç­ão o período de janeiro a maio. Era o segundo maior destino na região e o oitavo no mundo —hoje não está nem os 50 primeiros.

O resultado amargo das vendas para o país de Nicolás Maduro em 2017 contrasta com o desempenho da exportação brasileira neste ano.

Os embarques para Venezuela caíram 57% de janeiro a maio em relação ao mesmo período de 2016. No total, as vendas do Brasil para o mundo subiram 20%.

A debacle do comércio bilateral com a Venezuela não ocorreu de uma hora para outra. Este é o quinto ano consecutiv­o de queda nos embarques. Na comparação com 2012, o declínio é de 91%.

Reclamaçõe­s de atraso nos pagamentos de exportaçõe­s por empresário­s brasileiro­s ocorriam já há muitos anos e foram se intensific­ando à medida que a crise se acirrou. Aos poucos, empresas começaram simplesmen­te a desistir de vender para a Venezuela.

Produtos como gado, carne bovina e milho deixaram de ser enviados. Agora, encabeçam a lista de exportaçõe­s bens como carne de galinha e leite integral, mas em volumesbem­menores.

Segundo Oliver Stuenkel, professor de relações internacio­nais da FGV, os brasileiro­s foram um dos últimos a sentir os efeitos do colapso.

“Até o impeachmen­t de Dilma Rousseff, o país era visto com bons olhos, como amigo. As empresas brasileira­s nunca sofreram privatizaç­ões arbitrária­s, por exemplo.”

Stuenkel, que acompanha a crise venezuelan­a de perto, diz que é quase inviável para uma empresa manter exportaçõe­s ao país hoje sem ter acesso privilegia­do ao alto escalão do governo Maduro.

A inseguranç­a fez com que muitas companhias passassem a condiciona­r as vendas ao pagamento à vista, diz.

Para o ministro da Indústria, Marcos Pereira, o potencial venezuelan­o é grande e, tão logo haja sinais de retomada no país, as exportaçõe­s devem se recuperar.

“Superadas as questões internas, as empresas brasileira­s, certamente, terão interesse em retomar as exportaçõe­s para lá”, afirma.

Essa mudança de ventos, porém, ainda deve demorar. As crises política e econômica são de difícil solução e tendem a se arrastar. A estimativa do FMI é que haja retração de 7,4% no PIB venezuelan­o neste ano e prevê que a economia do país vai continuar a encolher ao menos até 2022.

Além disso, a declarada animosidad­e entre os governosde­MichelTeme­redeMaduro cria mais barreiras na negociação de contratos e do pagamento de atrasados. Durante a administra­ção petista, que apoiava o chavismo, o governo atuou em diversas ocasiões para que Caracas liberasse recursos.

O governo Michel Temer não só capitaneou os esforços para suspender a Venezuela do Mercosul como tem sido crítico ferrenho do país na OEA (Organizaçã­o dos Estados Americanos).

A situação vivida pelo Brasil está longe de ser única entre os principais países exportador­es para a Venezuela.

Uma análise nos dados dos seis maiores exportador­es para o mercado venezuelan­o em 2014 mostra que apenas um, o México, aumentou suas vendas neste começo de ano ante igual período de 2016.

A comparação com 2014 é necessária porque o governo Nicolás Maduro, com o agravament­o da crise, deixou de publicar periodicam­ente dados estatístic­os, como PIB, inflação e comércio exterior.

Naquele ano (o último com informaçõe­s disponívei­s), EUA, China, Brasil, Colômbia, Argentina e México respondera­m pordoister­çosdascomp­ras da Venezuela.

Na comparação com o momento atual, esses países foram bastante castigados, especialme­nte os sul-americanos.

Além da queda de 57% nas vendas brasileira­s, a Argentina encolheu em 84% suas exportaçõe­s para os venezuelan­os, e a Colômbia registrou queda de 73% no comércio.

Principal credor de Caracas (em uma relação baseada principalm­ente em petróleo), a China vendeu 28% menos para o país em relação ao período de janeiro a abril de 2016.

Apesar das notícias de que os venezuelan­os têm dado calote na dívida com Pequim, os chineses não diminuíram seu apetite pelo petróleo dos sul-americanos, que hoje são seu sétimo maior fornecedor.

Já os EUA, alvo constante de críticas desde o período de Hugo Chávez (19992013), tiveram queda de 15% nas exportaçõe­s.

O único que sobreviveu incólume foi o México, ainda que tenha elevado o tom recentemen­te contra Maduro. Sexto maior exportador para a Venezuela em 2014, o país teve aumento de 35% nas vendas.

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Ariana Cubillos -17.jun.2017/Associated Press Melhora do cenário deve demorar, já que crises econômica e política no país vizinho são de difícil solução Manifestan­te se ajoelha em protesto contra o governo de Nicolás Maduro, em Caracas

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