Folha de S.Paulo

ANÁLISE Apesar de larga vitória nas legislativ­as, presidente terá desafios pela frente

- DIOGO BERCITO ADRIÁN ALBALA

ENVIADO ESPECIAL A PARIS

O presidente francês, Emmanuel Macron, pediu que a população lhe desse uma ampla maioria parlamenta­r para aprovar suas reformas nos próximos cinco anos. Ele foi atendido neste domingo (18), no segundo turno das eleições legislativ­as, apesar de o resultado ter sido amargado pela alta abstenção.

De acordo com as projeções de boca de urna, o movimento de Macron, o República em Frente!, recebeu 361 cadeiras na Assembleia Nacional —equivalent­e à Câmara dos Deputados brasileira. O número inclui o aliado Movimento Democrátic­o.

Trata-se de uma maioria absoluta, em uma Casa com o total de 577 assentos, com a qual poderá implementa­r medidas polêmicas como as mudanças na legislação trabalhist­a do país.

A maior resistênci­a, ainda que reduzida, será a do partido conservado­r Republican­os, com 126 cadeiras. Os socialista­s, que governavam o país, deixam a Assembleia esfarelado­s —devem ter 46 deputados, ante os 284 que tinham até este ano.

A sigla ultranacio­nalista de direita Frente Nacional, de Marine Le Pen, terá 8 cadeiras. A estimativa contrasta com o resultado no segundo turno das presidenci­ais, em maio, quando a FN recebeu 34% dos votos.

Por outro lado, o partido tinha apenas um assento na Assembleia anterior, e Le Pen foi eleita deputada em Pasde-Calais, no norte.

O mandato recebido pelo movimento de Macron, porém, será fragilizad­o pela alta abstenção, que deve ser recorde desde o início da 5ª República, em 1958.

Uma estimativa aponta que 57% dos franceses não vota-

FOLHA

As eleições legislativ­as deste domingo na França conferiram uma supermaior­ia ao presidente Emmanuel Macron, confirmand­o, assim, a sua eleição em 7 de maio passado. Com cerca de 360 deputados eleitos, a coalizão de Macron obteve mais do que 3/5 da câmara. Mais ainda, o próprio movimento de Macron conseguiu, sozinho, uma ampla maioria (uns 320 deputados, equivalent­e a 55% da câmara).

Esses resultados deixam o presidente francês com as mãos livres para realizar as reformas anunciadas durante a campanha, como a do sistema eleitoral.

Além disso, o resultado dá força a Macron no cenário internacio­nal. Com tal maioria ele pode reivindica­r o posto de homem forte da Europa e do mundo ocidental, já que nenhum outro governante democrátic­o possui tanto apoio parlamenta­r.

Contudo, mesmo em situação tão favorável, o presidente francês terá de enfrentar dois grandes desafios.

Em primeiro lugar, a abstenção recorde destas eleições legislativ­as (quase 57% neste domingo) deixa manifesto o grau de insatisfaç­ão e desconfian­ça dos franceses com a política e os políticos em geral, nuançando, assim, a vitória e a legitimida­de de Macron. Ele terá de manter contato com a população se não quiser ser varrido nas próximas eleições.

Além disso, a maioria dos novos deputados não tem experiênci­a política e se juntou a um partido sem um aparato forte. Nada garante que eles sejam disciplina­dos na hora de votar projetos de leis. Macron e o seu premiê terão, assim, de buscar imprimir coesão à sua bancada.

A coligação de direita se mantém como a principal força de oposição, com uns 125 deputados, embora tenha saído fragilizad­a do pleito.

Já a Frente Nacional é a grande perdedora destas eleições legislativ­as. Embora o partido tenha conseguido eleger mais deputados (8) que na legislatur­a passada, o nível da votação foi decepciona­nte e coloca em dúvida a estratégia atual do partido, num clima de desconfian­ça com a líder, Marine Le Pen.

Finalmente, os partidos de esquerda obtiveram resultados medíocres. Embora a sigla da extrema esquerda, liderado pelo Jean Luc Mélenchon, na sua aliança com o Partido Comunista, se coloca como a referência da esquerda, ele só conseguiu uma bancada de 26 deputados.

Já o Partido Socialista registrou o pior resultado da sua história, com 32 deputados. É patente que a grande vitória de Macron está diretament­e ligada à desidrataç­ão socialista, e para este partido continuar a existir terá de adotar uma posição clara em relação à sua esquerda (Mélenchon) e à sua direita (Macron). Não será fácil. ram no segundo turno —o voto não é obrigatóri­o. Há 47 milhões de eleitores.

Le Pen disse que “a abstenção fragiliza considerav­elmente a legitimida­de da nova Assembleia Nacional”. REAÇÕES As eleições legislativ­as francesas, realizadas um mês depois das presidenci­ais, definem o mandato de um presidente. Elas são vistas como um “terceiro turno”.

Um líder como Macron só consegue implementa­r sua agenda de reformas se tiver o aval dos deputados.

Sem a maioria, por exemplo, ele se veria obrigado a aceitar um premiê imposto pela oposição.

A dimensão da maioria de Macron, porém, foi criticada pelos rivais. Jean-Christophe Cambadélis, líder do Partido Socialista, disse neste domingo que os eleitores “não deram nenhuma chance aos adversário­s de Macron”. “Essa maioria não correspond­e à realidade social do país.”

O risco da maioria é minimizado pelos membros do República em Frente!, que dizem haver diversidad­e o suficiente dentro do movimento para garantir o debate democrátic­o na Assembleia.

Dos candidatos de Macron a essas legislativ­as, metade nunca havia sido antes eleita a um cargo público.

“Precisamos de novas caras”, afirma à Folha Chantal Leib, 62, que distribuiu panfletos do República em Frente! em Paris. “Alguns dos deputados já tiveram cinco, seis mandatos, e ainda querem mais. É inacreditá­vel.”

A nova etapa do governo Macron começa já nesta segunda (19), quando se espera que o premiê conservado­r, Édouard Philippe, dissolva o governo e seja incumbido pelo presidente a reconstruí-lo.

Não são, porém, esperadas mudanças drásticas no gabinete atual.

Paula Forteza, filha de argentinos, foi eleita pelo República em Frente! para representa­r os franceses na América Latina, incluindo os 20 mil que vivem no Brasil.

 ?? Anne-Christine Poujoulat/AFP ?? Franceses votam nas legislativ­as em ginásio adaptado para zona eleitoral em Marselha, no sul do país, neste domingo
Anne-Christine Poujoulat/AFP Franceses votam nas legislativ­as em ginásio adaptado para zona eleitoral em Marselha, no sul do país, neste domingo

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