Folha de S.Paulo

Delação confirmada

Ainda que acordo entre JBS e Janot mereça críticas, sua anulação neste momento prejudicar­ia investigaç­ões, contra o interesse público

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Foram muitas —e corretas— as críticas feitas ao acordo entre a Procurador­ia-Geral da República e o dono da JBS, Joesley Batista, com o propósito de premiar sua colaboraçã­o no esclarecim­ento de casos de corrupção no governo federal.

Tendo confessada­mente gerenciado uma máquina de propinas de dimensão estarreced­ora, Batista beneficiou-se da suspensão de qualquer processo que pudesse atingi-lo, desfrutand­o de liberdade irrestrita para prosseguir em suas atividades dentro e fora do país.

Prevaleceu a constataçã­o de que, mais do que benefícios por uma delação, o Ministério Público ofereceu ao empresário o prêmio de uma quase completa impunidade —e nada mais avesso ao espírito predominan­te na opinião pública do que tal situação.

A partir do acordo revelou-se a célebre conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer (PMDB), cuja divulgação, em maio, deu origem à profunda crise política hoje vivida pelo país, de desfecho imprevisív­el.

A fidedignid­ade da gravação do diálogo, como se sabe, ainda não foi comprovada acima de qualquer dúvida por perícia judicial.

Foi a própria possibilid­ade de uma apuração mais detalhada sobre o caso, entretanto, que pareceu comprometi­da nestes últimos dias, na medida em que se buscou questionar a delação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Dois personagen­s citados por Batista —o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR)— contestara­m o acordo com base em argumentos predominan­temente formais.

Por maioria de votos, o STF afastou tais refutações. Ainda que se possa considerar imprópria a largueza dos oferecimen­tos feitos ao delator, não caberia retirar do Ministério Público a autoridade de que dispõe para efetuar negociaçõe­s de tal gênero.

Por sua vez, ao homologar a delação, o ministro do STF Edson Fachin procedeu legitimame­nte, não cabendo ao magistrado, no momento preliminar das investigaç­ões, analisar mais do que os aspectos formais do acordo celebrado.

Com certeza, como apontou-se no STF, o próprio mecanismo da delação se tornaria inoperável caso estivesse aberta a possibilid­ade de revogação por mera discordânc­ia subjetiva quanto aos seus termos.

Esse risco, apesar das ressalvas externadas por alguns ministros, está aparenteme­nte dissipado. O interesse público, arranhado com a impunidade do empresário corruptor, preservou-se no essencial.

Com efeito, por mais negativo que tenha sido o impacto moral daquele acordo, ainda pior seria sua anulação neste momento.

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