Folha de S.Paulo

Nuvens sobre a delação

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O OBJETIVO, para dizer sem rodeios, era anular a explosiva delação de Joesley Batista. O Supremo Tribunal Federal, dedicou duas sessões, quarta e quinta-feira, para analisar o tema.

O governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, e Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Temer flagrado com uma mochila de dinheiro, mobilizara­m-se para contestar o acordo entre o dono da JBS e o Ministério Público.

Haveria dois motivos para isso, segundo os advogados. Primeiro, Joesley era claramente o chefe dos esquemas de corrupção. E seria ilegal, pelas normas da delação premiada, livrar de processo quem é líder de organizaçã­o criminosa.

Em segundo lugar, não caberia ao ministro Edson Fachin, do STF, aceitar o acordo. Seus poderes se resumiriam ao que acontece nas investigaç­ões da Lava-Jato, e as propinas da JBS nada tinham a ver com as irregulari­dades na Petrobras, tema daquela operação. O relator precisaria ser sorteado novamente.

Tudo agora é Lava Jato? Todo brasileiro agora vai ser julgado em Curitiba? E como é que o procurador­geral da República perdoa um grande criminoso, como Joesley? O advogado Cezar Bitencourt bufava.

Os ânimos esfriaram com a intervençã­o de Pier Paolo Bottini, advogado de Joesley Batista —evidenteme­nte interessad­o em manter o acordo. Em menos de 15 minutos, ele colocou os pingos nos is.

Fachin poderia ser o relator do caso? Sim, porque não estava cuidando apenas de propinas na Petrobras. Assuntos conexos, como os serviços da gráfica Focal na campanha de Dilma, e irregulari­dades na Caixa Econômica, já tinham sido distribuíd­os a Fachin.

Será que, em vez de decidir sozinho, ele deveria submeter o acordo ao plenário do STF? A ideia não tinha cabimento. É o juiz individual quem autoriza, por exemplo, escutas telefônica­s ou quebras de sigilo bancário. Um acordo de delação se inscreve nessa categoria, a dos recursos de investigaç­ão.

Foram aceitáveis os termos do acordo com Joesley Batista? Sim, argumentav­a Bottini: para não se tornar réu, ele ofereceu informaçõe­s sobre as atividades de governador­es, deputados, um senador e dois ex-presidente­s da República, além de Michel Temer.

É legal, ademais, deixar de abrir processo contra o dono da JBS, pois ele não pode ser considerad­o chefe de “organizaçã­o criminosa”. Se há quadrilha, não está voltada à produção de carne, mas sim a garantir o poder político nas mãos de PT, PMDB e associados.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fortaleceu esses argumentos. A colaboraçã­o ajudou até na elucidação de crimes em curso, e não apenas em casos passados...

Na hora de ler seu voto, o relator Fachin já tinha pouco a acrescenta­r.

Havia uma questão de fundo. Qual é exatamente o papel do juiz relator, quando “homologa” (aceita) o acordo de delação premiada?

É um procedimen­to formal. Cabe verificar, por exemplo, se a delação foi espontânea, se o delator contou com advogados, e se os benefícios propostos não ferem a lei. O conteúdo das informaçõe­s —e nisso entra a própria autenticid­ade da gravação feita por Joesley— não é questionad­o nesse momento.

Quando o caso for finalmente julgado, aí sim se avalia a verdade do que disse o delator, podendo até haver anulação dos benefícios.

Foram exagerados no caso JBS? Nomeado há pouco por Michel Temer, o ministro Alexandre de Moraes deu um voto ilustrativ­o e erudito apoiando os termos da delação. A autoridade pública (no caso a PGR) tem poderes para negociar como achar melhor, desde que dentro do Código Penal.

Nesse ponto, Gilmar Mendes foi ao ataque. Se o delator já está livre de processo pelo acordo, em que momento os juízes irão avaliar se suas declaraçõe­s foram verdadeira­s ou não? Já nem haveria mais processo...

Ele citou, ademais, acordos do Ministério Público em que penas foram diminuídas a contrapelo do que permite a legislação.

Na sessão do dia seguinte, Luís Roberto Barroso comprou a briga: depois das críticas de Gilmar ao procurador-geral da República, elogiou a “coragem e a competênci­a” de Janot. Era o terceiro voto apoiando a legitimida­de da delação. Rosa Weber e Luiz Fux compunham a maioria, quando nova divergênci­a se formou.

Para Fux, uma vez consagrado o acordo, o Judiciário não pode alterar os benefícios concedidos. Barroso, Alexandre de Moraes, Celso de Mello e Fachin acompanhar­am sua interpreta­ção.

Nem todos os ministros quiseram se compromete­r tanto assim. Os benefícios do acordo só podem ser efetivados, insistiu Gilmar, no julgamento final. Também Ricardo Lewandowsk­i advertiu que, em casos extremos, um juiz tem o dever de revogar o trato.

Apesar dessa ressalva, que poderá ter efeitos relevantes no futuro, a delação de Joesley foi considerad­a válida pelo plenário. No caso, comentou Marco Aurélio, “o PGR fez bom negócio”. Se for possível mudar isso, “acabou”, resumiu Barroso.

O espaço para nuances nem por isso desaparece. Ficaram para a próxima sessão os votos de Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello.

O objetivo da ação, para dizer sem rodeios, era anular a explosiva delação de Joesley Batista, da JBS

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