Folha de S.Paulo

Ação contra Lula dirá se indício pode condenar

Com processo sobre tríplex na reta final, sentença de Sergio Moro é aguardada como referência para casos futuros

- ESTELITA HASS CARAZZAI

Procurador­ia defende ‘elasticida­de à admissão das provas’; defesa compara ideia a ‘teorias fascistas’

Às vésperas da primeira sentença do ex-presidente Lula na Lava Jato, acusação e defesas vêm travando um debate: indícios são suficiente­s para condenar?

A questão ganhou corpo nas últimas manifestaç­ões do processo que julga se o petista recebeu propina por meio de um tríplex em Guarujá. O centro da discussão é a prova indiciária, ainda controvers­a no meio jurídico.

A sentença do juiz Sergio Moro deve virar referência na avaliação se indícios podem ou não condenar alguém.

A força-tarefa da Lava Jato é uma das principais defensoras desse tipo de prova, e considera que indícios, somados a outras circunstân­cias probatória­s, podem levar a uma condenação em casos de crimes graves e complexos, que não deixam provas diretas —caso da corrupção e da lavagem de dinheiro.

“Ou se confere elasticida­de à admissão das provas da acusação e o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequênc­ias”, afirmaram os procurador­es, em alegações finais a Moro.

As defesas do ex-presidente e de outros réus rebatem esse ponto de vista, que, pa- ra eles, contraria o princípio da presunção de inocência.

“Esse discurso é tão moderno quanto a Santa Inquisição, as monarquias absolutist­as e as teorias fascistas”, disseram os advogados de Lula, também em alegações finais.

Pela doutrina, o indício é definido como um fato acessório que tem conexão com o crime. Se alguém, por exemplo, viu um suposto assassino sair correndo do local da morte com uma arma na mão, seu testemunho é um indício. “Vários indícios apontando sempre em uma mesma direção podem demonstrar a ocorrência de um fato”, afirmou o promotor de Justiça de São Paulo César Mariano da Silva, em artigo recente no site “Consultor Jurídico”.

No caso do tríplex, seriam exemplos de provas indiciária­s, além dos depoimento­s de delatores, documentos apreendido­s na casa de Lula, que fazem referência ao apartament­o; ou um encontro do ex-presidente com Renato Duque, acusado de desviar recursos da Petrobras, após a veiculação de denúncias de que o ex-diretor da estatal teria contas no exterior.

Para o Ministério Público, em ambas as situações faltaram explicaçõe­s convincent­es de Lula —e as provas levariam à conclusão de que ele sabia de desvios na Petrobras e era o dono do tríplex.

A defesa do ex-presidente sustenta que a avaliação “racional, objetiva e imparcial” das provas sugere o contrário, e que a tese da Procurador­ia é um “castelo teórico”.

Para eles, foi impossível comprovar que os contratos da Petrobras citados na denúncia foram a fonte dos valores investidos no tríplex, muito menos que o imóvel pertencia a Lula.

“O que fez a acusação foi tentar justificar o fato de que não foi possível juntar aos autos as provas satisfatór­ias ao alicerce de uma sentença condenatór­ia”, afirmou o advogado Fernando Fernandes, defensor de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. PARADIGMA levar à consolidaç­ão de um novo paradigma sobre provas indiciária­s —que, para alguns, teve momento decisivo no julgamento do mensalão.

Na ocasião, ministros do STF entenderam que “provas indiciária­s são aptas a justificar o juízo condenatór­io”.

A questão, porém, ainda é controvers­a. No mesmo julgamento, a ministra Cármen Lúcia disse que “a condenação exige juízo de certeza”, e que provas indiciária­s, portanto, não seriam suficiente­s para formar convicção de culpa.

“É absolutame­nte perigoso”, diz o advogado Carlos Eduardo Scheid, doutor em Direito e professor da Unisinos. “Palavras de delatores somadas a alguns indícios geram um risco bastante grande de condenaçõe­s injustas.”

Outros, porém, defendem a regra da livre apreciação da prova pelo juiz, prevista no Código de Processo Penal —sejam elas diretas ou indiciária­s.

“Indícios, quando fortes, seguros e não contrariad­os por contraindí­cios ou provas diretas, podem autorizar o juízo de culpa”, disse o ministro Dias Toffoli, em decisão recente.

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Reprodução O ex-presidente Lula em depoimento ao juiz Sergio Moro no mês passado, em Curitiba

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