Folha de S.Paulo

Fachin, Janot, Kim Jong-un ‘et alii’

- REINALDO AZEVEDO

É PREOCUPANT­E o silêncio das entidades que representa­m os advogados sobre os atos atrabiliár­ios, quando não sobre as asneiras, praticados por procurador­es, juízes e, olhem o meu espanto!, ministros do STF. Antevi há muito que Rodrigo Janot acabaria, por contraste, absolvendo moralmente o PT (só a direita xucra não percebeu...). Bingo!

Antevejo agora dias difíceis na área dos direitos fundamenta­is. A força política que substituir Michel Temer no dia 1º de janeiro de 2019 terá à sua disposição um incrível arsenal de excepciona­lidades para usar contra os adversário­s. A esquerda não diga, depois, que não avisei. Ou a direita. Qualquer que seja a resposta do eleitorado, haverá um governo mais autoritári­o do que esse que aí está.

Não deixa de ser impression­ante, ainda que óbvio, ver os esquerdist­as, incluindo a pequena multidão de jornalista­s, a endossar as estripulia­s de Janot. Àquele que era odiado até outro dia, dispensase agora o tratamento de herói da resistênci­a. Afinal, os “companheir­os” reconhecem o notável trabalho feito pelo procurador-geral, em parceria com Edson Fachin, ambos regidos por Cármen Lúcia, para depor o presidente Michel Temer numa única tacada. Falhou a Blitzkrieg. Agora é preciso optar pelas contínuas ações de sabotagem. Como escrevi em meu blog, não há mais investigaç­ão contra o presidente, mas uma coleção de armadilhas.

O direito que tem letra e forma cede ao alarido. Ao negar o pedido de prisão preventiva do senador Aécio Neves —afinal, não houve flagrante de crime inafiançáv­el, como exige o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituiç­ão—, Fachin o auto-outorgado relator da delação de Joesley Batista, escreveu este brocado da democracia universal: “No caso presente, ainda que, individual­mente, não considere ser a interpreta­ção literal o melhor caminho hermenêuti­co para a compreensã­o da regra extraível do art. 53, § 2º, da CR (...), entendo que o locus adequado a essa consideraç­ão é o da colegialid­ade do Pleno.”

Que se note, hein?, antes que eu continue: o doutor não mandou trancafiar o senador, mas o afastou do mandato (da função pública), uma das medidas cautelares previstas do Artigo 319 do Código de Processo Penal, só aplicável como alternativ­a à prisão. Cabe a pergunta: dado o que diz a Constituiç­ão, era a prisão uma alternativ­a? Como diria o ministro Marco Aurélio, ao acrescenta­r a 381.001ª palavra ao “Vocabulári­o Ortográfic­o da Língua Portuguesa, “a resposta é ‘desenganad­amente’ negativa”.

Ora, se a “interpreta­ção literal” —vale dizer: o que está na lei— não é o melhor caminho hermenêuti­co, restam a discricion­ariedade, o solipsismo jurídico, o arbítrio das tiranias, ainda que das tiranias de opinião pública, confundida­s pelos idiotas com democracia.

Saibam todos vocês que um dia poderão depender do Supremo: há um ministro lá que considera haver um valor superior à garantia constituci­onal. Um? Essa também é a praia... hermenêuti­ca preferida de Roberto Barroso, o sujeito que diz, em um livro sobre “neoconstit­ucionalism­o”, que cabe aos juízes o papel de uma espécie de vanguarda modernizad­ora da sociedade. Não por acaso, ele aproveitou um simples habeas corpus para legalizar, a seu modo, o aborto até o terceiro mês de gestação. Esqueçam o debate de mérito: ministro do STF não pode mudar o Código Penal! No dia seguinte ao julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, Luiz “Mato no Peito” Fux desdenhou do que chamou “formalismo” do tribunal. Ora, direito sem formalismo­s é aquele vigente na Coreia do Norte ou na Venezuela.

O solipsismo jurídico, em nome da “causa”, é o AI-5 destes tempos.

Está contente, amigo, com o andar da carruagem? Acha que o caminho é esse mesmo? Caso você tenha de encarar um dia Fachin, Fux, Barroso “et alii”, torça para estar do lado certo da “hermenêuti­ca do arbítrio”.

Torça para ser amigo do Kim Jong-un de toga.

Qualquer que seja a resposta do eleitorado, haverá um governo mais autoritári­o do que esse

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