Folha de S.Paulo

Sauditas exigem que Qatar rompa relações com Irã

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EM TEL AVIV

O diplomata Paulo César Meira de Vasconcell­os, 63, chegou há apenas três semanas a Israel, mas sabe que terá muito trabalho pela frente. Começa no cargo de embaixador do Brasil em Tel Aviv com o desafio de remendar o relacionam­ento entre os dois países, desgastado pelo episódio da rejeição, em 2015, do governo Dilma Rousseff ao nome de Dani Dayan para embaixador de Israel porque ele havia sido líder dos colonos israelense­s.

Israel demorou mais de um ano para indicar um novo nome. O empresário Yossi Sheli recebeu o agrément brasileiro apenas em janeiro e assumiu o cargo em março — pouco antes de Vasconcell­os (que já foi embaixador em Bancoc e em Abu Dhabi) ser aprovado pelo Congresso para a representa­ção do Brasil em Tel Aviv, que também ficou sem titular por mais de seis meses.

Mas, apesar da intenção de focar apenas numa “agenda positiva”, o começo já foi áspero. Ao entregar suas credenciai­s ao presidente de Israel, Reuven Rivlin, no dia 15, Vasconcell­os ouviu dele críticas ao voto do Brasil a favor de uma resolução da Unesco que declarou que Israel não é soberano em Jerusalém. Folha - O presidente Rivlin criticou o Brasil ao receber as suas credenciai­s. Já é um começo complicado?

Paulo César Meira de Vasconcell­os – O presidente não fez críticas específica­s ao Brasil. Ele falou a mesma coisa para os quatro embaixador­es que entregaram credenciai­s (Brasil, Honduras, Nepal e Tanzânia). Mas o voto na Unesco não ignora a ligação de Israel com Jerusalém. Reconhece os laços da cidade com as três religiões monoteísta­s: islamismo, judaísmo e cristianis­mo. A resolução não indica que Israel não tem a soberania de Jerusalém?

Não, não entra nesse mérito. A resolução demonstra preocupaçã­o com a forma com que os israelense­s estão tratando os sítios religiosos. Há essa acusação de que estão fazendo escavações subterrâne­as que podem impactar o patrimônio histórico e que estariam dificultan­do a entrada de muçulmanos em sítios do islamismo. Não estou defendendo lado nenhum, mas há essas críticas. Houve desgaste no relacionam­ento entre os países por causa da rejeição de Dani Dayan?

Com a indicação do nome do embaixador israelense, que foi quase que simultânea à minha, viramos a página. Houve uma turbulênci­a. Passou. Agora já estamos num céu de brigadeiro. Quero justamente trabalhar uma agenda positiva, em cooperação em vários setores. Existe algum interesse do Brasil, como na época do expresiden­te Lula, de mediar o conflito com os palestinos?

O interesse teria que vir deles, de israelense­s e palestinos. Não vamos nos oferecer, porque aí entramos numa zona cinza perigosa de nos intrometer nos assuntos internos dos outros. O senhor veio direto de Abu Dhabi. Como isso ajudará em sua função em Israel?

A verdade é que foi muito difícil vir para cá direto. De Abu Dhabi não se consegue nem fazer uma ligação telefônica para Israel. Minha mudança teve de ser enviada ao Chipre e, só depois, a Israel. Mas eu acho que os Emirados Árabes e Israel têm algo em comum. Os dois povos, os beduínos do deserto e judeus de todo o mundo, vieram para um região inóspita e construíra­m países modernos. Como o senhor analisa o bloqueio diplomátic­o de países árabes ao Qatar?

Na região, o Qatar sempre teve uma política externa diferente, mais independen­te. Também deram refúgio a vários membros da Irmandade Muçulmana, que, para esses países do Golfo, é o que existe de pior, e têm uma política menos crítica em relação ao Irã. A partir do momento em que países da região se sentiram empoderado­s pela visita do Trump à Arábia Saudita, quiseram enquadrar o Qatar. Como o Brasil vê esse conflito?

O Brasil é sempre a favor de uma solução pacífica. Mas queremos que isso se resolva não só do ponto de vista político, mas também pelos nossos interesses comerciais. Já há menos fluxo de transporte aéreo e marítimo. Com um conflito, só saímos perdendo.

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

A Arábia Saudita e outros países do Golfo apresentar­am nesta sexta-feira (23), noite de quinta no Brasil, uma lista de exigências ao Qatar, com quem romperam relações diplomátic­as há cerca de duas semanas acusando o país de financiar o terrorismo.

Dentre as exigências, pede-se que o Qatar corte relações com o Irã, encerre a emissora Al Jazeera e feche uma base militar que a Turquia mantém no país. O governo do Qatar não havia se pronunciad­o sobre os pedidos até a conclusão desta edição.

O isolamento do Qatar foi deflagrado em 5 de maio. Impulsiona­da pela Arábia Saudita, a decisão de romper laços diplomátic­os e comerciais foi seguida por Egito, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Iêmen.

As Maldivas, um arquipélag­o localizado no oceano Índico, e o governo da Líbia sediado no leste do país —que não é reconhecid­o internacio­nalmente— também se uniram no boicote. O Kuait assumiu um papel intermediá­rio, buscando mediar a crise diplomátic­a.

Ao romper com o Qatar, os regimes da região acusaram o país de apoiar organizaçõ­es como Al Qaeda, Estado Islâmico e Irmandade Muçulmana, grupo considerad­o “terrorista” pelo Egito e os países do Golfo.

Além disso, esses países viam com maus olhos a recente aproximaçã­o do Qatar com o Irã, grande rival religioso e econômico da Arábia Saudita.

Historicam­ente, o Qatar ocupa um lugar à parte na região, com sua própria política regional.

Analistas externos veem o boicote ao Qatar como uma tentativa de barrar a crescente autonomia do país e reinseri-lo na esfera de influência saudita.

Com a indicação do nome do embaixador israelense, que foi quase que simultânea à minha, viramos a página. Houve uma turbulênci­a. Passou. Agora já estamos num céu de brigadeiro. Quero trabalhar uma agenda positiva “

O interesse [de uma eventual mediação brasileira no conflito com os palestinos] teria que vir deles, de israelense­s e palestinos. Não vamos nos oferecer, porque aí entramos numa zona cinza perigosa de nos intrometer nos assuntos internos

 ?? Nasser Shiyoukhi - 9.jun.17/Associated Press ?? Palestinos escalam muro na Cisjordâni­a para irem a oração em Jerusalém; Brasil só mediará conflito se for convidado
Nasser Shiyoukhi - 9.jun.17/Associated Press Palestinos escalam muro na Cisjordâni­a para irem a oração em Jerusalém; Brasil só mediará conflito se for convidado
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Daniela Kresch/Folhapress O embaixador Vasconcell­os

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