Folha de S.Paulo

Coleção nazista reaviva passado argentino

Peças do regime de Hitler achadas em casa de antiquário fazem relembrar época em que país abrigou ex-oficiais alemães

- SYLVIA COLOMBO

As primeiras investigaç­ões demonstram que as peças são originais. Uma perícia será feita. Um modo de provar que a peça é original é mostrá-la junto a fotos que as demonstrem em uso. E entre os achados há essas fotos

Governo fará perícia para verificar se itens são autênticos; posse de objetos nazistas não é crime na Argentina

A descoberta de uma coleção de 75 peças com simbologia nazista na casa de um vendedor de antiguidad­es, em Béccar, na província de Buenos Aires, reacendeu o debate sobre um período sombrio da história do país.

Nos anos seguintes à derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial (19391945), a Argentina recebeu cerca de 5.000 oficiais nazistas e colaborado­res do regime, com a anuência do governo argentino, comandado então pelo general Juan Domingo Perón (1895-1974).

Entre os mais famosos estavam o médico Josef Mengele (1911-1979), que fazia experiment­os com prisioneir­os em Auschwitz e, depois de se esconder no Paraguai e na Argentina, terminou seus dias no Brasil, em 1979; também Adolf Eichmann (1906-1962), um dos arquitetos do Holocausto, que viveu dez anos em Buenos Aires até ser capturado pelo serviço secreto de Israel, o Mossad.

Além deles, Erich Priebke (1913-2013), responsáve­l por um massacre que matou mais de 300 civis, e que morou mais de 40 anos em Bariloche até ser extraditad­o.

Não se sabe ainda se as peças achadas na residência de Carlos Olivares, 55, são réplicas ou se de fato pertencera­m a nazistas fugitivos. Entre elas estão bustos do ditador Adolf Hitler (1889-1945), estátuas com a imagem da águia e a suástica, jogos para crianças e instrument­os musicais com símbolos nazistas.

Os que mais chamam a atenção são um aparelho para medir tamanhos de crânio e uma lupa, ambos acompanhad­os por fotos que mostram nazistas usando-os.

“Nossas primeiras investigaç­ões demonstram que as peças são originais. Uma perícia especializ­ada será feita nas próximas semanas. Mas sabemos que um modo de provar a compradore­s que uma peça é verdadeira é mostrá-la junto a fotos que as demonstrem em uso. E entre os achados existem essas fotos”, disse a ministra de Segurança, Patricia Bullrich.

Ariel Cohen, presidente da Associação Israelita Argentina, diz que a descrição dos objetos médicos confere com o que se sabe sobre os procedimen­tos de Mengele. “Ao ver esses objetos, vejo sinais de uma época terrível que provocou tanta dor e tanta tristeza”, declarou.

Porém, mesmo se a veracidade das obras for comprovada, Olivares não poderá ser processado por mantê-las, uma vez que a posse de objetos relacionad­os ao nazismo não é considerad­a um delito na Argentina.

A descoberta da coleção, aliás, deu-se quase por acaso. Há meses a polícia argentina e a Interpol vinham investigan­do Olivares, sob a desconfian­ça de que este comerciali­zava peças protegidas por leis de patrimônio arqueológi­co, como objetos pré-hispânicos e egípcios.

A operação de busca realizada na casa do antiquário durou seis horas, até que se encontrou uma porta escondida por trás de uma biblioteca. Dentro do quarto secreto estavam não apenas as peças de simbologia nazista como supostas múmias de animais egípcias e outros objetos de venda proibida.

Olivares, que já foi intimado a depor, não quis dar declaraçõe­s à imprensa em sua loja, “El Ático”, localizada no bairro de Olivos. “Vou contar de quem comprei as peças

PATRICIA BULLRICH

ministra de Segurança da Argentina apenas à Justiça”, foi o que se limitou a dizer.

“É um absurdo que não exista uma lei que proíba o comércio de imagens que fazem apologia a Hitler na Argentina, ainda mais com o histórico de termos recebido tantos nazistas”, disse à Folha Florencio Reinoso, que mora perto da loja de Olivares e, nesta quinta (22), passava por ali por curiosidad­e.

A ministra Bullrich pediu que, caso a veracidade das peças seja comprovada, elas sejam levadas ao Museu do Holocausto portenho. Para o ministro de Direitos Humanos, Claudio Avruj, a descoberta também é positiva porque tirará do mercado objetos que cultuam o nazismo.

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20.jun.2017/Ministério de Segurança da Argentina/Reuters Busto do ditador Adolf Hitler e outros objetos achados em casa de antiquário argentino

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