Sem comida e com espera de 10 h, ação de Doria tem desistência de internação
funcionava o programa anticrack da gestão anterior.
Às 17h30, Adão Bueno, 35, mostra para a reportagem suas unhas, completamente roídas. “Cheguei às 10h30. Estava quase acabando com minhas mãos de ansiedade. Estou nervoso por causa da droga. Tive que pedir calmantes para o médico”, lamenta. Foi levado para o hospital às 18h.
“É muita tentação. Olha onde estamos, do lado da cracolândia. A demora é péssima. E eu quero largar, já deu”, diz Diego Bevilacqua, 30. “Um amigo veio comigo para ser internado. Chegamos às 10h. Às 16h, ele desistiu”, relata.
A psiquiatra Carmen Santana, professora da Unifesp, observa que “a cidade já tem um déficit de ambulância” e que, portanto, recorrer ao Samu “mostra falta de planejamento”. Para ela, não faz sentido que a prefeitura encare o usuário como alguém que pode esperar por dez horas, mas que precisa de um serviço de emergência como o Samu. Além disso, diz, o ideal é que os usuários esperem “o mínimo possível” na tenda.
Para a psiquiatra Ana Cecília Marques, coordenadora da comissão de drogas da Associação Brasileira de Psiquiatria, falta “retaguarda clínica”, ou seja, uma estrutura que, por causa da demora, ao menos controle a síndrome de abstinência por qual passam os usuários de drogas —e todos, diz ela, passam em maior ou menor grau por esse estado de seis a oito horas após cessar o uso de drogas.
Para evitar complicações como crises hipertensivas, precisam de atenção de um médico clínico, macas, uma equipe de enfermagem e medicamentos para tratá-los.
Eber de Jesus, 24, estava desistindo quando foi abordado pela Folha. “Estou em abstinência, com fome e raiva. É indignante”, dizia. Mudou de ideia e aguardou. Foi levado ao hospital às 18h30, após esperar o dia todo: “Quando cheguei, ainda estava claro”.
“9h para internar meu neto. Mas tudo demorou demais. Às 14h30 ele foi embora e não voltou mais
CELINA DE SOUZA, 69
aposentada, avó de usuário de crack
Se alguém pode ficar dez horas esperando em um lugar, ela precisa ser levada numa ambulância? Essa lógica não faz sentido
CARMEN SANTANA
psiquiatra e professora da Unifesp