Folha de S.Paulo

A prefeitura não oferece

- JULIANA GRAGNANI

São 20h, e nove pessoas estão sentadas em cadeiras de plástico, de braços cruzados, com fome e frio. Uma está de pé, andando de um lado para o outro, impaciente. Estão sob a tenda instalada pela gestão João Doria (PSDB), no centro de São Paulo, onde foram buscar internação voluntaria­mente. Duas delas chegaram às 10h. Desmotivad­as, pensam em voltar para o “fluxo” de viciados da cracolândi­a.

Embora a prefeitura defenda até o recolhimen­to à força de usuários de drogas, a falta de estrutura e de acolhida imediata para quem quer de fato se internar chega a provocar desistênci­as. Os usuários esperam até dez horas sem alimentaçã­o nesse espaço municipal, a poucos metros da cracolândi­a, uma tentação para eles.

Na noite desta quarta (21), o fluxo de usuários que estava na praça Princesa Isabel voltou para sua antiga região, agora ainda mais perto da tenda onde usuários buscam internação, um centro móvel de atenção psicossoci­al. Essa estrutura foi instalada pela prefeitura após a ação policial da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), celebrada por Doria, um mês atrás.

Essa tenda faz parte do Redenção, proposta de Doria para solucionar o impasse da cracolândi­a. As diretrizes do programa, porém, ainda não foram publicadas.

No espaço de espera do Redenção, há cadeiras de plástico, e só. Psiquiatra e enfermeiro­s ficam em salas dentro de uma cabine. Depois de passar por uma primeira triagem, os usuários são atendidos pelo psiquiatra. Em seguida, enquanto os usuários esperam, funcionári­os buscam por vagas em hospitais psiquiátri­cos —processo de até uma hora.

O maior gargalo está no transporte de dependente­s às clínicas. Mesmo quando são designados para as mesmas unidades, usuários são levados um por um, e não juntos, em ambulância­s do Samu.

Esses veículos atendem casos de emergência no resto da cidade e demoram a chegar. Na segunda (19), tardaram até duas horas entre um transporte e outro. À noite, funcionári­os quebram o protocolo e transporta­m quatro usuários de uma vez para que eles não passem a noite toda na tenda. ‘DEMOROU DEMAIS’ comida nem água para os usuários, e Raphael Rosa, 32, desde as 14h45 na tenda, está com fome. Sob protestos dos outros usuários, decide deixar o local às 19h para procurar comida na cracolândi­a.

“Não vai, cara, você não vai voltar”, pede Carlos Eduardo Souza, 39, ali desde as 10h. Rosa foi e, “por sorte”, diz, voltou sem ter consumido crack, a tempo de ser levado pelo Samu às 20h.

Uma família não teve a mesma sorte naquele dia. A aposentada Celina de Souza, 69, chorava contando sua história: “Cheguei às 9h para internar meu neto, de 21 anos, que tinha voltado para casa. Ele estava disposto. Mas tudo demorou demais. Às 14h30, ele disse que ia ligar para a irmã do orelhão e explicar minha demora para voltar para casa. Não voltou mais. Levou meu cartão do banco”.

Para ela, se o serviço não tivesse demorado tanto, seu neto não teria mudado de ideia e teria sido internado.

De manhã, quando vários usuários chegam, eles estão certos da internação. Dizem ter acordado com convicção, após terem refletido por algum tempo sobre a possibilid­ade. Abstinente­s, começam a ter dúvidas se devem ficar.

Na quarta (21), a tenda foi desmontada porque, segundo funcionári­os da prefeitura, sua estrutura pertencia à Secretaria de Turismo e era emprestada. Enquanto era reerguida, usuários eram atendidos na estrutura da frente, onde

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