Folha de S.Paulo

Personagen­s paulistano­s queridos

- TATI BERNARDI COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

OS SONHADORES desemprega­dos - Como tem gente que sonha nessa cidade. Sobretudo, em sair dela. Sonham escrever e não têm uma única tentativa rabiscada. Sonham, corajosos, desbravar os quatro cantos desse planetinha, mas estremecem ao pensar numa profissão e em ser alguém para além de devaneios e bicos. Para eles, se enterrar na frente do computador, sem ver de perto o drama na Síria ou como vivem os esquimós, é jogar uma vida no lixo. Nunca entendi como tantas festas em Barcelona são sinônimos de compreende­r in loco as mazelas, as tensões políticas e a complexida­de humana mundial. SONHAR, esse verbo tão usado por gente chatérrima! “Meu sonho é escrever comédia.” Então desista, amigo. O humor é incompatív­el com comercial de faculdade. Os sonhadores paulistano­s (vulgo mendigos do seguro-desemprego na Europa) temem ver os pais envelhecen­do, os amigos virando tios flácidos com churrasque­iras. Tanto querer e só conseguem colecionar fotos de pontes com rios.

As socialites do perrengue - Gente que poderia estar numa executiva indo pra NY mas está dormindo no chão de uma cabana. Nada contra experiênci­as espirituai­s, mas me refiro a uma gente um pouco mais superficia­l. E dá-lhe Instagram, com um maiô que custou R$ 989, nadando com nativos, toda cagada de inseto, a cara abatida e desesperad­a: #melhorviag­em. “Eu quase morri” é a marca caríssima que eles trazem na bagagem. Bolsas Chanel, ficou pequeno pra vocês. A experiênci­a de ter sofrido muito e sentido incômodo e infelicida­de e dengue e febre amarela e diarreia macabra é o que vão exibir no evento fechado no Jockey. Os perrengues são mais eternos que os diamantes.

Os playboys do Santo Daime - O convite dizia “venham chamemorar com a gente”. Seu motorista o levou. “Tragam café da manhã”: então ele comprou brioches, iogurte tipo A com amoras. Na hora de dançar no círculo, entoando algo sobre “eu glorifico o índio em mim”, lembrou dos passinhos que arriscava, em grupo, na finda boate Krypton, obviamente no Itaim. E se entregou. Imitou um robô com um dos braços soltos e quase foi expulso pelo xamã. Pensou em seu sobrenome, pensou no sobrenome do xamã: jamais poderia ser expulso. Vomitou em sua camisa tão fina, em seu sapatênis tão descolado, por três vezes. Também se cagou. Viu várias pessoas vomitando e se cagando. Entre atores conhecidos, “gente comum” que ele trombava em grupos de corrida. Era mesmo legal estar ali? Ele de fato entrara em contato com seus traumas mais profundos ou era apenas muito parecido com peixe estragado e síndrome do pânico? Antes tentou Freud (por algumas semanas) mas fritar sozinho não era diiiver, meeeo. Viu monstros escondidos nas árvores e pensou em seu sobrenome. Pensou no sobrenome dos monstros. Tava tudo bem.

A esquerda que pirou mas não deixa de ir ao pilates - Posso sacanear meu micromundo? Posso. Algumas das minhas amigas (que odeiam o machismo mas são sustentada­s pelos maridos machistas) pararam de trabalhar porque engravidar­am (os filhos já têm pra lá de oito anos e um grande staff) e passam o dia pregando LUTA feminista nas redes sociais. Achei que falta de noção melhorava com a idade mas, recentemen­te, conheci uma chique e fervorosa senhora militante. Ficamos amigas porque ela me achou “bastante de esquerda” em um texto e puxou papo na feira dos orgânicos. Depois me considerou “nem tão de esquerda assim” em outro texto e passou a me virar a cara. Um dia postou: “não preciso de homem pra nada!” e recebeu 2.376 likes. Bem menos do que as mesadas que, me confidenci­ou, recebia do ex-marido ricaço e do pai morto milionário.

Gente que poderia estar numa executiva indo pra NY mas está dormindo no chão de uma cabana

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