Com Otávio Augusto, ‘A Tropa’ explora encruzilhada do país
Uma senhora se ajeita no que espera ser sua futura lápide: um buraco no chão ao lado do marido já enterrado. “A morte”, diz ela, “veio me namorar”. Enquanto flerta com o fim da vida, sua filha, há anos longe de casa, a reencontra no cemitério.
A reaproximação entre elas é o ponto de partida para o dramaturgo recifense Newton Moreno refletir sobre a morte e o amor em seu novo texto, “Imortais”, que chega com direção de Inez Viana nesta sexta (23) ao Sesc Consolação.
Os temas surgem da fricção entre o mundo de tradições de uma mãe (Denise Weinberg) e do universo contemporâneo de sua filha (Michelle Boesche), que volta acompanhada pelo noivo (Simone Evaristo), uma mulher em vias de se transformar em um homem.
“São três figuras deslocadas buscando o lugar delas”, diz Moreno, que tem outro texto, o premiado “Agreste”, reestreiando na mesma data.
Para Denise Weinberg, “Imortais” fala sobre a incapacidade humana de amar. “O Newton constrói imagens poéticas e eu, como atriz, preciso trepar nelas para inter- pretá-las de forma concreta.”
Segundo o dramaturgo, a peça também questiona o espaço da tradição nos dias de hoje. Na trama, a mãe deseja que uma “coberta d’alma” seja realizada para ela e o marido. A filha, porém, refuta a ideia. No festejo fúnebre de origem açoriana, um ente querido assume por um dia a identidade do morto para que ele possa partir em paz.
“O mundo está sem ritual, até mesmo o teatro. Talvez por isso tantas pessoas tomem remédios”, afirma Denise. “O ritual ajuda a entender as coisas, a ‘morrer com tempo’, como diz a minha personagem.” QUANDO sex. e sáb.: 21h; dom.: 18h; de 23/6 a 30/7 ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000 QUANTO R$ 40 CLASSIFICAÇÃO 14 anos
Ator de espetáculos históricos de teatro político no Brasil dos anos 1960, como “Os Inimigos” e “Galileu Galilei”, Otávio Augusto encontrou em “A Tropa” um texto bastante oportuno para comemorar seus 50 anos de palco.
Não que o jovem autor Gustavo Pinheiro seja um dramaturgo pronto ou que sua peça possa ser comparada àquelas de Gorki ou Brecht, mas é espantosa a capacidade que demonstra para expressar as divisões mais recentes na sociedade brasileira.
Ele escreveu sob impacto das manifestações de 2013 e sobretudo da campanha eleitoral de 2015 —e venceu outros 250 autores num concurso do CCBB do Rio.
A tropa do título são os quatro filhos já adultos de um militar, cada um incorporando uma vertente significativa da desordenada vida democrática do país, do executivo neoliberal envolvido em escândalo ao editor ambientalista desempregado.
Em um ano e meio, muita coisa mudou no Brasil, mas “A Tropa” e seu coronel não envelheceram, pelo contrário: ajudam agora a compreender um pouco o país às voltas, por exemplo, com a ascensão de Jair Bolsonaro.
O papel de Otávio Augusto reflete, em si mesmo, as sombras de uma sociedade que parece aceitar e apoiar o desrespeito instituído, o preconceito, a tortura.
O ator não tem a agilidade de outros tempos, na movimentação como nos diálogos, mas segue inalterada a relação direta com o público, a capacidade de trazê-lo rindo para o seu lado, não importa a monstruosidade que seu personagem apregoe.
É indesculpável e ao mesmo tempo fascinante. Argumenta com convicção pelo militarismo, pelo autoritarismo, chamando para a disputa os atores que interpretam os filhos do coronel.
Não é que tenham sido desenhados com perfeição, mas os filhos estão bem sustentados, com segurança, por Alexandre Menezes, Eduardo Fernandes, Rafael Morpanini e Daniel Marano, sob direção de Cesar Augusto, também ator de origem.
Cada um tem o seu momento de protagonismo, abordado com compreensão e alguma compaixão pelo texto —que poderia apenas ser mais lapidado, para evitar os eventuais solavancos.
Parte da sensação de irregularidade do espetáculo vem da cenografia, dos figurinos e objetos, pouco expressivos ou elaborados, desde um quarto hospitalar trivial até sacolas que parecem de supermercado.
No roteiro bem costurado, são quatro filhos, mas a falha trágica original, em torno da qual se distribuem rancores e recriminações na “tropa”, é a morte do quinto, ainda menino, acontecida décadas antes em situação nebulosa, num acidente de carro.
Os filhos visitam o pai no hospital e, lentamente, tudo vêm à tona, mais ou menos como acontece no Brasil destes últimos anos. QUANDO sáb., às 19h30; dom. e seg., às 20h; até 3/7 ONDE Teatro Sérgio Cardoso, sala Paschoal Carlos Magno, r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. (11) 3288-0136 QUANTO R$ 60 CLASSIFICAÇÃO 14 anos AVALIAÇÃO bom