Folha de S.Paulo

Corrupção selvagem

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A delação de Joesley Batista, recém-validada pelo STF, bem como a entrevista do mesmo à revista “Época”, permite vislumbrar aspectos novos do processo em curso no Brasil. A narrativa dos Odebrecht revelava detalhes do sistema sedimentad­o que ligava empreiteir­as e candidatos desde os anos 1940. Já as peripécias contadas pelo dono da JBS parecem dizer respeito a modalidade­s meio improvisad­as, típicas de certo novorriqui­smo da corrupção recente e, ainda, em estágio de provas.

Perto do “departamen­to de operações estruturad­as” do conglomera­do baiano, a sistemátic­a onívora da JBS soa caótica. Tomados por uma febre juvenil de cresciment­o, os donos do frigorífic­o adquiriram, em poucos anos, não apenas congêneres em dificuldad­e no exterior, mas indústrias de alimento em geral, e até a tradiciona­l Alpargatas, para não falar de uma fábrica de celulose e de uma usina termelétri­ca. Com isso, o faturament­o do grupo subiu de R$ 4 para R$ 170 bilhões entre 2006 e 2016 (“Exame”, 7/6/2017). Enriquecim­ento súbito.

Uma expansão tão acelerada implica também centenas de problemas urgentes a resolver, desde a obtenção de empréstimo­s e coinvestid­ores de alto poder financeiro até a compra de gás direto da Bolívia, bypassando a Petrobras. A cada obstáculo, os empresário­s iam comprando, igualmente, homens públicos por baciada. Não espanta que tenham terminado com uma carteira de 1.800 deles no bolso.

Uma vez compreendi­do o mecanismo, torna-se fácil remontar o que ocorreu. Políticos dispostos a se vender existem, e sempre existiram, em todas as democracia­s do mundo: havendo dinheiro, o negócio fecha. Lembre-se, caro leitor ou cara leitora, do filme “Lincoln”, já citado aqui, e o modo como se deu a conquista da emenda que, finalmente, declarou extinta a escravidão nos Estados Unidos da América.

Surpreende, contudo, a facilidade com que personagen­s tradiciona­is, experiente­s e alocados no topo do Estado, como Michel Temer ou Aécio Neves, caíram na rede estendida pelos Batista. A serem verdadeira­s as histórias contadas, o presidente da República era pródigo em pedidos domésticos, como o pagamento de um aluguel ou a ajuda a um amigo. Nas palavras do delator, apresentav­a seus pleitos de maneira despojada. Se não fossem atendidos, paciência; depois, viriam outros.

De fato, o diálogo gravado com Temer no Palácio do Jaburu em março trai o clima ameno de “eu te ajudo, você me ajuda, e está tudo bem”. Do mesmo modo, o pedido fatal do presidente afastado do PSDB — igualmente grampeado— destinava-se a gastos pessoais.

Ambos acabaram, no fim, mais expostos do que os envolvidos na “corrupção à moda antiga”.

ANDRÉ SINGER

avsinger@usp.br

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