GOVERNO ENCURRALADO PF descarta edições em áudio de Temer
Perícia aponta mais de 180 interrupções ‘naturais’ causadas por aparelho usado por Joesley ao gravar presidente
Laudo será enviado ao Supremo; análise contratada pela Folha também vê problemas originados por gravador
A Polícia Federal concluiu que não houve edição na gravação da conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer em 7 de março no Palácio do Jaburu, segundo a Folha apurou. A perícia foi finalizada nesta sexta (23) pelo Instituto Nacional de Criminalística.
A análise do INC, órgão ligado à PF, identificou mais de 180 interrupções “naturais” no áudio.
Também foram recuperados trechos inaudíveis.
A perícia indica que o equipamento utilizado pelo empresário da JBS, que fez um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República, possui um dispositivo que pausa automaticamente a gravação em momentos de silêncio e a retoma quando identifica som.
O relatório e o laudo pericial serão entregues ao STF. Ao todo, os peritos verificaram quatro áudios. A perícia da PF é aguardada porque a defesa de Temer questiona a autenticidade do áudio.
O relatório tratará de obstrução de Justiça. No começo da semana, a PF entregou ao Supremo a conclusão sobre o crime de corrupção passiva que, segundo a polícia, foi cometido por Temer e pelo seu ex-assessor especial Rodrigo Rocha Loures.
A expectativa é que, com a conclusão do inquérito pela PF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente até terça (27) uma denúncia contra Temer ao STF.
No pedido de abertura de inquérito enviado ao Supremo, Janot afirmou que o presidente deu anuência para a compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e seu operador Lucio Funaro, ambos presos. Entre outros elementos, Janot se baseou em parte do diálogo no Jaburu para sustentar que houve obstrução de Justiça.
O procurador-geral afirmou que, na conversa, Temer ouviu de Joesley que o ex-presidente da Câmara estava sendo pago para não falar nada e sobre o assunto respondeu: “tem que manter isso, viu?”, o que seria um aval.
A conversa divulgada à imprensa, porém, continha trechos inaudíveis. Após a fala de Temer, Batista afirmou: “Todo mês”, o que indica, segundo o empresário afirmou em seu acordo de delação premiada fechada com a PGR, acertos em dinheiro. LAUDO DA FOLHA Uma nova perícia contratada pela Folha foi divulgada nesta sexta (23).
Realizada pelo Instituto Brasileiro de Peritos (IBP), indica que as frequentes interrupções na gravação da conversa entre Joesley e Temer devem ter sido causadas pelo próprio aparelho utilizado para captar o áudio.
Segundo o instituto, equipamentos móveis como o utilizado suspendem a gravação enquanto não há som, para economizar bateria e maximizar o tempo de gravação. Esse efeito de interrupção automática da gravação dificulta a identificação de eventuais cortes propositais, caso eles tenham sido realizados.
“Esse mecanismo certamente contribuiu para prejudicar a inteligibilidade de certas palavras, além da baixa qualidade técnica do equipamento utilizado e das condi- ções de gravação”, afirma o laudo preliminar.
O IBP não teve acesso ao equipamento usado, mas realizou testes com outro do mesmo tipo.
“A gravação questionada apresenta frequentes descontinuidades no tecido sonoro, tanto nas falas quanto no ruído de fundo”, afirma a equipe do Instituto, formada pelo diretor Giuliano Giova, doutor em ciências pela Escola Politécnica da USP, os engenheiros Gustavo Batis- tuzzo e Felipe Rinaldi de Campos e as fonoaudiólogas Priscilla Donaire Brasil e Aline Cristina Pacheco Castilho.
“Existe um lapso de tempo para que esta operação ocorra, o que pode gerar eventos como esses constatados na gravação, dependendo do tempo de silêncio e da amplitude do sinal que reativa a gravação”, diz o grupo.
Segundo o instituto, o valor da gravação só poderá ser apurado com análise dos gravadores, das mídias originais e da cadeia de custódia, ou seja, do registro da geração e manipulação das mídias e dos arquivos de áudio.
Em geral, arquivos digitais possuem registros técnicos sobre suas características e sua geração e manipulação, os chamados metadados.
Mas o arquivo analisado não possui metadados que atestem qual foi o programa utilizado em sua geração e outros dados técnicos como data da gravação de áudio. Sua ausência prejudica a ve- rificação da integridade da peça em questão.
O advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defende Temer, havia dito que, se a perícia da Polícia Federal não apontar adulteração na gravação que o empresário Joesley Batista fez do presidente, “preocupará”. Nesta sexta (23), Mariz afirmou que o laudo da PF não é uma “verdade fechada e absoluta”. EDIÇÕES