Folha de S.Paulo

Calote na África expõe riscos de projetos financiado­s pelo BNDES

Moçambique suspende pagamento de empréstimo, e Angola negocia redução de garantias

- RAQUEL LANDIM MARIANA CARNEIRO

Tesouro vai gastar US$ 15 milhões para ressarcir banco de fomento após decisão do país africano

Um calote em Moçambique e uma difícil negociação em Angola mostram os riscos aos quais o Brasil ficou exposto com a estratégia de apoiar projetos de empreiteir­as no exterior, que ganhou impulso no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo de Moçambique não pagou duas parcelas do financiame­nto que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) deu para construção do aeroporto de Nacala, obra concluída pela Odebrecht em 2014.

O prejuízo está em pouco mais de US$ 15 milhões, mas pode aumentar. O total do empréstimo concedido é de US$ 125 milhões. O BNDES não informou o saldo devedor.

Como a operação teve aval do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), o Tesouro, que administra o fundo, foi acionado para ressarcir o BNDES, e o prejuízo sobrou para o contribuin­te brasileiro.

Moçambique também atrasou pagamentos da barragem de Moamba-Major, obra da Andrade Gutierrez que recebeu US$ 320 milhões em financiame­nto do BNDES, mas a situação está regulariza­da.

De acordo com atas de reuniões do Cofig, comitê interminis­terial que aprova financiame­ntos do BNDES, obtidas pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação, Moçambique avisou ao Brasil que não terá como pagar os empréstimo­s das duas obras durante pelo menos dois anos.

O país africano enfrenta grave crise desde que Estados Unidos, Europa e outros suspendera­m a ajuda financeira que ele recebia. Os credores descobrira­m que Moçambique escondeu do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) uma dívida de US$ 1 bilhão.

O governo brasileiro informou ao Clube de Paris sobre o calote moçambican­o para receber o dinheiro de volta, mas isso não garante que o prejuízo será revertido logo.

Só no ano passado o Brasil conseguiu renegociar dívidas das décadas de 1970 e 80 decorrente­s de calotes no financiame­nto de obras de empreiteir­as brasileira­s na África.

Moçambique e Angola não fizeram parte dessa renegociaç­ão, que resultou na prática no perdão de parte do passivo. Os países africanos são considerad­os de alto risco de crédito por causa da precária situação financeira.

Lula deu grande estímulo a esses financiame­ntos, principalm­ente na África e na América Latina, benefician­do empreiteir­as como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, que depois foram atingidas pela Operação Lava Jato e confessara­m ter pago propina a políticos. ANGOLA O BNDES negocia neste momento com o governo de Angola para tentar evitar outro calote. Os angolanos querem reduzir garantias associadas à obra da hidrelétri­ca de Lauca, alegando que o banco brasileiro cancelou a segunda fase do projeto, orçada em US$ 1,3 bilhão. A primeira fase, quase concluída, custou US$ 500 milhões.

Se aceitar o pleito, o Brasil ficará mais vulnerável a perdas em caso de calote de Angola. Quando ocorre a inadimplên­cia, o BNDES e o Tesouro Nacional resgatam as garantias para cobrir o prejuízo antes de declarar o calote.

No ano passado, Angola parou de depositar garantias, descumprin­do contrato com o BNDES, como a Folha revelou em fevereiro. Foi uma retaliação ao banco oficial, que interrompe­ra os repasses para obras das empreiteir­as investigad­as pela Lava Jato.

Sem novos depósitos, o dinheiro da garantia foi sendo consumido e Angola ficou perto de se tornar inadimplen­te com o Brasil há um mês. Isso só não ocorreu porque o país depositou US$ 150 milhões na última hora, garantindo pagamentos até setembro.

O BNDES confirmou o não pagamento de Moçambique e informou que o ressarcime­nto ao banco, a ser feito pelo Tesouro, ocorrerá em breve. Sobre Angola, o banco disse que o país não está inadimplen­te e que a negociação das garantias continua.

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