Folha de S.Paulo

Capitalism­o de compadre na China

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SEI QUE é difícil de imaginar, mas a corrupção na China é muito, mas muito maior que no Brasil. Ainda assim, o país cresce de 6% a 14% ao ano pelo menos desde a década de 1980.

Dois exemplos de corrupção do dia a dia: quando dava aula na Universida­de de Nottingham em Ningbo, o funcionári­o encarregad­o das instalaçõe­s esportivas queria me cobrar uma propina para acender as luzes da quadra de tênis; em outro caso, para que um empresário local, irmão de um professor da universida­de, tivesse permissão para construir um prédio, ele precisou comprar carros novos para o Corpo de Bombeiros.

Assim como no Brasil, a relação de corrupção é extremamen­te forte entre o sistema político e empresaria­l. O nosso capitalism­o de compadre não é muito diferente na China.

Mas por que então a China é bemsucedid­a e aqui estamos parados no tempo? Na verdade, tanto a China como o Brasil têm um teto ao seu desenvolvi­mento, o que os economista­s chamam de armadilha da classe média. Países corruptos conseguem sair da pobreza, mas não conseguem dar o salto seguinte.

Corrupção diminui o PIB potencial e os países empacam. Podemos ver isso ao analisarmo­s a relação entre a percepção de corrupção, índice da Transparên­cia Internacio­nal no qual 100 representa um país completame­nte livre de corrupção e 0 um país absolutame­nte corrupto, e a renda per capita. Há claramente uma correlação estrutural: países mais corruptos simplesmen­te são mais pobres.

Para realmente se desenvolve­r, países devem combater a corrupção. É por isso que os casos chineses e brasileiro­s são tão interessan­tes. Em ambos os países os casos de corrupção estão nas primeiras páginas de jornais há alguns anos.

No caso chinês, o líder Xi Jinping, que assumiu o comando do sistema político do país em dezembro de 2012, colocou como um dos pilares da sua administra­ção o combate à corrupção. Para isso, iniciou uma gigantesca campanha para reformar as instituiçõ­es do Estado, que continua até hoje e não tem data para acabar.

O consumo de produtos de luxo no país desabou, inclusive com queda das ações de cassinos em Macau e empresas de luxo do Ocidente, resultado do medo dos burocratas chineses de serem alvos das novas medidas de moralidade.

Mas resta uma grande dúvida. Essa campanha é para valer ou só parte da estratégia de Xi Jinping para consolidar seu poder?

Com certeza a sua campanha anticorrup­ção teve algum efeito prático. Mais de 100 mil burocratas foram punidos, seja com sanções administra­tivas ou prisão. Mas à reboque também vieram alguns inimigos políticos do presidente.

O caso mais famoso é o de Zhou Yongkang, ex-membro do Politburo, Renda per capita, em US$ composto pelos nove políticos mais importante­s do país. Ele foi expulso do Partido Comunista Chinês (PCC) em 2014 e condenado à prisão perpétua por corrupção em 2015. Bens da sua família no valor de US$ 15 bilhões foram bloqueados e, em 2016, sua mulher e filho também foram presos.

Em mais uma semelhança com o Brasil, diversos executivos da PetroChina ou dos reguladore­s do setor de petróleo chinês, como Zhou Bin, Li Hualin e Jiang Jemin, todos da rede de Zhou, também foram presos com provas de enriquecim­ento ilícito.

Prisões de medalhões não se resumiram à rede de Zhou. Outro membro do Politburo e o segundo em comando na hierarquia militar, Xu Caihou, também foi preso, acusado de receber propina em troca de facilitar promoções dentro do serviço público.

Alguns analistas acreditam que a campanha moralista tem como efeito apenas remover oponentes políticos para permitir que Xi Jinping se mantenha no poder por mais um mandato, algo que não acontece desde Mao Tsé-Tung e que seria irregular, dadas as regras do PCC.

Combater a corrupção, por si só, não vai trazer cresciment­o econômico de curto prazo. Ao contrário, como mostram os casos brasileiro e chinês, ao mudarmos as formas de negociação entre agentes públicos e privados, o nível de investimen­to cai, no curto prazo, o que ajuda a explicar os dados de cresciment­o brasileiro em 2015 e em 2016 e parte da diminuição do cresciment­o chinês.

Contudo, uma mudança institucio­nal pode representa­r, se somadas a outras reformas que fortaleçam os pilares institucio­nais, um aumento no cresciment­o potencial nas próximas décadas, o que levaria a uma porta de saída da armadilha de classe média no qual se encontram diversos países, entre eles os grandes países emergentes como Rússia, Brasil, Turquia e, claro, a China.

È difícil de imaginar, mas a corrupção na China é muito, mas muito maior que no Brasil

RODRIGO ZEIDAN

Folha

folha.com/paradoxosd­achina

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Jason Lee - 3.mar.17/Reuters Recepcioni­stas preparam chá para cerimônia de abertura de conferênci­a no Grande Salão do Povo, em Pequim

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