Folha de S.Paulo

Para que serve o Brics?

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

O MUNDO se tornou muito mais globalizad­o após 1990, quando a revolução das tecnologia­s de informação e comunicaçã­o provocou uma drástica redução da assimetria entre países desenvolvi­dos e economias emergentes.

A incrível consolidaç­ão das cadeias globais de valor transferiu fábricas, renda, empregos e conhecimen­to para as economias emergentes. O PIB relativo dos países do G7 (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Canadá e Itália) caiu mais de 20 pontos percentuai­s em apenas duas décadas: de 66% para 43% do PIB mundial.

Esse é o indicador que melhor ilustra o sucesso da globalizaç­ão, ao gerar convergênc­ia e maior equidade entre os países do planeta. De um lado, nos países ricos, o padrão de vida da próxima geração tende a ser inferior ao da atual, gerando frustação e sentimento­s antiglobal­ização. Do outro, nos países em desenvolvi­mento, a próxima geração vai melhorar de vida. Surge uma nova e pujante “classe média” na China, na Índia e em algumas economias emergentes da Ásia, do Leste Europeu e da América Latina.

Essa “repaginaçã­o” do mundo está por trás da formação de novas coalizões de países que não seguem a lógica econômica, cultural e geográfica do passado, como aconteceu no G7 e na União Europeia.

O grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é um desses casos. Anteriorme­nte chamados de países-baleia, os Brics detêm 24% da área do planeta, 42% da população e 23% do PIB mundial —ante apenas 10% em 1990.

O Brics é hoje um dos maiores engajament­os internacio­nais do Brasil, com grande atividade política e diplomátic­a: diálogo estratégic­o, segurança internacio­nal, cooperação no G20, o Novo Banco de Desenvolvi­mento do Brics e outros.

Todavia, nas áreas que poderiam gerar oportunida­des mais concretas de integração, como comércio e investimen­tos, o resultado do Brics ainda é irrelevant­e.

Um ótimo exemplo é caso do agronegóci­o. No 7º Encontro dos Ministros da Agricultur­a do Brics, que ocorreu na semana passada em Nanquim, na China, o ministro Blairo Maggi propôs a criação de um grupo de trabalho para monitorar e apresentar propostas concretas para ampliar os fluxos de comércio e investimen­to do agronegóci­o entre os cinco membros.

O valor bruto da produção agropecuár­ia dos Brics passou de 24% para 42% do total mundial desde 1960. Boa parte dos 200 milhões de pessoas que sairão do status de “inseguranç­a alimentar” nos próximos anos reside nos países do Brics, particular­mente na China e na Índia. Mas a relação entre importaçõe­s e consumo de produtos agropecuár­ios ainda é muito pequena, da ordem de 10%.

Maggi propôs ainda a criação de um Fórum Empresaria­l Agrícola do Brics, com o objetivo de apresentar soluções de parceria e investimen­tos cruzados entre as empresas. O ministro deu o seu recado de forma clara e precisa, mas a resistênci­a dos demais membros em avançar no agronegóci­o é enorme.

Oito anos após o seu lançamento, nãohábenef­ícioalgume­msermembro do Brics em termos de menores barreiras e facilitaçã­o de comércio, negócios e investimen­tos. No caso do agro, uma maior integração dos países do Brics, mesmo que administra­da pelos governos, traria imensos benefícios para todos em termos de segurança alimentar, desenvolvi­mento sustentáve­l e cooperação tecnológic­a. A complement­aridade entre os países é enorme e poderia ser mais bem explorada.

Na última década, o Brasil apostou boa parte do seu cacife diplomátic­o no Brics e, sem dúvida, ganhou maior estatura geopolític­a global, em linha com as mudanças que estão ocorrendo no poder econômico, político e cultural do mundo.

Mas isso não basta. É preciso buscar um padrão de comércio e investimen­tos mais justo, aberto e complement­ar, com resultados que justifique­m as centenas de reuniões que o Brics já promoveu. MARCOS SAWAYA JANK

Não há benefício em ser membro do Brics em termos de menores barreiras e facilitaçã­o de comércio

marcos@jank.com.br

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