Folha de S.Paulo

Rio está sem vagas para usuários de crack

Sem convênio com comunidade­s terapêutic­as desde o ano passado, município ignora tratamento permanente

- LUIZA FRANCO

Opção se limita a abrigos para moradores de rua; secretaria diz que busca retomar programa municipal

O usuário de crack que quiser fazer um tratamento completo no Rio dará com a cara na porta. Desde 2016 a cidade não tem mais convênios com comunidade­s terapêutic­as. O programa que atendia usuários de drogas foi extinto na gestão Eduardo Paes (PMDB) e ainda não foi renovado desde que Marcelo Crivella (PRB) assumiu a prefeitura.

“Não temos hoje nenhum programa para a dependênci­a química”, admite a secretária de Assistênci­a Social e Direitos Humanos do município, Maria Teresa Bergher. “O que temos é um tratamento paliativo em abrigos, mas não resolve. O que resolve é preparar as pessoas para serem inseridas na sociedade. Programa de tratamento permanente nós não temos.”

Isso em um momento em que a população de rua explode, com o desemprego que não dá trégua ao Estado —triplicou o número de moradores de rua nos últimos três anos—, e a falta de verba encolhe o equipament­o da rede de atenção psicossoci­al. Assim, a prefeitura enxuga gelo.

A cidade tem 63 abrigos, dois destinados a menores usuários de drogas, além de um para usuárias gestantes ou que acabaram de ter filhos. Ao todo, há 2.155 vagas —15% da população de rua da cidade. Segundo a secretaria de Assistênci­a Social, 1.300 vagas para menores foram fechadas e o programa Proximidad­e, que tratava dependente­s químicos, foi encerrado no final de 2016. A secretaria diz que busca retomá-lo, pedindo apoio do governo federal.

Grávida de oito meses, Erika Mendonça, 36, foi a primeira a chegar a um recéminaug­urado abrigo na zona oeste para gestantes e mães dependente­s químicas. Ela tem outros quatro filhos, nenhum criado por ela. Desta vez, diz, quer mudar.

“Se estou viva, se comecei a me tratar, foi por causa do bebê. Não fosse por ele, viraria só mais uma na rua. Estou há 23 dias limpa. Sei que, se for para a rua volto a usar, então quero ficar aqui pelo tempo que precisar, depois quero arrumar um trabalho —qualquer um—, arrumar um canto e ficar com meus filhos.”

Assistente­s sociais dizem que o que evita o problema do crack tomar a proporção que tem em outras cidades, como São Paulo, é que é pequena a população usuária da droga na cidade.

O estudo anual de abordagem social de 2016 aponta que há 14.279 pessoas em situação de rua; destas, 238 (1,7%) declararam usar crack.

Especialis­tas não sabem ao certo por que isso acontece. Uma explicação que dão tem a ver com a oferta. Aos traficante­s, a venda de crack pouco interessa, dizem. Trata-se de uma droga barata, que representa pouco lucro. Além disso, a presença de usuários perto das bocas de fumo acaba atraindo a polícia, o que traficante­s não querem.

A prefeitura diz que não há cracolândi­as no Rio. Os usuários circulam por pontos da cidade onde há uso de outras drogas, como no centro e na Lapa, mas não permanecem em um só lugar, como acontece em São Paulo.

Há dois lugares onde é comum vê-los: em uma via de acesso ao Complexo da Maré, conjunto de favelas à beira da av. Brasil, na zona norte, e em frente à favela do Jacarezinh­o, também na zona norte.

No entanto, mesmo esses grupos, diz a prefeitura, são transitóri­os. “O grande problema da população de rua no Rio é o álcool, mais ainda que o crack”, afirma Bergher.

O Rio chegou a ter internação compulsóri­a de usuários de drogas. Entre 2011 e 2012, 2.924 usuários foram retirados das ruas à força. Em 2012, a Promotoria barrou as ações.

“O resultado foi negativo e está aí nas ruas. As pessoas não foram tratadas, mas removidas numa ação de higienizaç­ão e posteriorm­ente devolvidas às ruas”, diz Bergher.

Para Francisco Netto, coordenado­r executivo do Programa Álcool, Crack e outras Drogas, da Fiocruz, a rede deveria ser ampliada e integrada com outros serviços de forma mais efetiva.

“No Rio, temos unidades de atendiment­o que funcionam bem. O problema é que elas não são suficiente­s. É preciso que haja mais. Além disso, não se pode jogar a culpa toda no crack. Essas pessoas, em geral, têm necessidad­es que vão muito além da droga, que estão ligadas à pobreza.”

Segundo ele, só de Caps (Centro de Atenção Psicossoci­al), o Rio precisaria ter o triplo de unidades que tem hoje para atender a demanda.

Hoje a assistênci­a social faz a abordagem nas cenas de uso. Se o usuário for de outro Estado e quiser voltar para casa, há um programa de pagamento de passagens. O usuário que aceita o acolhiment­o é levado para um dos abrigos do município.

Porém, em conversas com moradores de rua, nota-se que muitos não ficam. “Abrigo não adianta a vida de ninguém”, afirmou à reportagem um dependente de crack que não quis se identifica­r.

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Raquel Cunha/Folhapress Erika Mendonça, 36, que está em abrigo para gestantes e mães dependente­s químicas

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