Folha de S.Paulo

Sem dinheiro, Estadual do Amapá começa ‘concorrend­o’ com Brasileiro

Com seis times e dois meses de duração, torneio terá todos os jogos no mesmo estádio

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DE SÃO PAULO

Socorro Marinho já se acostumou à piada. Cada vez que entra no banco, os funcionári­os querem saber se ela está lá para fazer outro empréstimo. Pendurada em dívidas, a presidente do Trem Desportivo Clube tira dinheiro do próprio bolso para sustentar o time amapaense.

“Sou funcionári­a pública e consigo empréstimo­s. Meu marido é advogado e coloca os honorários no clube. Assim a gente leva”, afirma ela.

Neste sábado (24), começa o Campeonato Amapaense de 2017, único Estadual que começa após o início do Brasileiro. O torneio tem seis times e dois meses de duração. O campeão fará nove jogos.

“Eu não vou colocar meu time em campo sem perspectiv­a de apoio do governo. Não vou entrar para fazer vexame”, disse Aristeu Valente, presidente do Santana.

A equipe deveria ser a sétima participan­te, mas desistiu no último dia 15.

O futebol do Amapá vive em função do poder público. O governador Waldez Góes (PDT) prometeu pedir às empresas que prestam serviços ao governo para ajudarem os clubes. Até agora, nada.

É um campeonato tão pouco atrativo que não será transmitid­o por nenhuma TV. Nem as locais. Restam as rádios.

“Aqui no Amapá só tem apelo os jogos de times do Rio. Todo mundo liga a televisão para ver Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Tirando esses, só o Corinthian­s. Os clubes daqui vivem com o pires na mão”, diz o ra- dialista Tarcísio Franco, que há 22 anos trabalha em partidas do Amapaense.

A competição começa no segundo semestre para dar tempo aos clubes tentarem, de alguma forma, montar os elencos com jogadores que disputaram outros estaduais.

Só dois clubes estiveram em atividade no primeiro semestre: Trem e Santos-AP. Ambos participam da Série D do Brasileiro. A CBF oferece passagens aéreas e nenhum apoio financeiro a mais. São mais gastos para Socorro Marinho e o marido, Osmar.

“Minha família não entende. É a emoção de estar no futebol. Minha filha cresceu odiando o Trem por causa disso. Torcia contra”, afirma.

A folha de pagamento da equipe é de R$ 85 mil mensais. É a segunda maior do Amapá. Fica atrás do Santos, atual campeão: R$ 120 mil. CASA ÚNICA Apenas um estádio será usado no torneio: o Milton de Souza Corrêa, conhecido como Zerão. O apelido é porque a linha imaginária do Equador, que divide os hemisfério­s sul e norte do planeta, cruza o campo. A capacidade é para 13 mil pessoas. Mas ninguém sonha que o local estará cheio neste sábado.

Apesar do ingresso a R$ 10, dirigentes creem em um público de 500 a 700 pessoas.

Pela prestação de contas apresentad­a pela Federação Amapaense à CBF, não resta dinheiro para repassar aos clubes. Segundo balanço da entidade, no ano passado foram arrecadado­s R$ 1.071.910 e gastos R$ 1.070.247,23. Sobraram R$ 1.662,77.

A Folha tentou falar com o presidente da Federação, o deputado federal Roberto Góes (PDT-AP). Ninguém atendeu ao telefone da entidade. O mesmo para o número do seu gabinete na Câmara, em Brasília. Não houve resposta também para e-mail enviado.

Ex-prefeito de Macapá, Góes foi condenado em 2016 pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por desvio de dinheiro público. Ele recorreu. É acusado de participar de esquema que redirecion­ava parcelas dos salários de servidores destinados a pagar empréstimo­s consignado­s. A ação diz que ele deixou de repassar R$ 8 milhões ao banco Itaú.

O grande incentivo para os clubes, mais do que a taça, é o prêmio em dinheiro prometido ao campeão: R$ 800 mil. Motivado por isso, os times improvisam na preparação.

Nesta semana, o elenco do EC Macapá, sem local para treinar, fez atividade na grama da Fortaleza de São José, ponto turístico da cidade.

“Só se fala nisso. Todo mundo quer”, diz a presidente do Trem. O dinheiro é suficiente para manter o elenco atuando por quase um ano. Ou ajudar a pagar aqueles empréstimo­s bancários feitos por ela. (ALEX SABINO)

 ?? Rodrigo Capote - 27.jun.2014/UOL ?? Linha do Equador, marcada por monumento, divide o campo do estádio Zerão (ao fundo)
Rodrigo Capote - 27.jun.2014/UOL Linha do Equador, marcada por monumento, divide o campo do estádio Zerão (ao fundo)

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