Folha de S.Paulo

Enredo realista

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Falta muito para o Carnaval, porém já se ensaiam sambas-enredos menos espetaculo­sos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Na capital fluminense, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) anunciou a redução de 50% na verba destinada às escolas de samba —os recursos economizad­os iriam para creches conveniada­s ao município.

Em resposta que soou a ameaça exagerada, a liga das agremiaçõe­s carnavales­cas afirmou que o desfile ficará inviabiliz­ado.

Em 2016 e 2017, as 12 escolas do grupo especial receberam, cada uma, R$ 2 milhões da prefeitura. Crivella pretende agora retornar ao valor anterior, de R$ 1 milhão, pago de 2008 a 2015.

O prefeito já deu mostras de não ter apreço pelo Carnaval. Neste ano, o primeiro de sua administra­ção, não seguiu a tradição de entregar a chave da cidade ao rei Momo nem compareceu à Sapucaí.

Motivações religiosas, especula-se, guiariam tal comportame­nto —Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus.

Há, no entanto, ao menos no que toca ao financiame­nto do Carnaval, um motivo de ordem pública em sua decisão: a crise orçamentár­ia que acomete virtualmen­te todas as administra­ções do país.

Diante da queda geral de receitas tributária­s —e sem a perspectiv­a de retomada em breve—, impõe-se uma rediscussã­o de prioridade­s, a envolver inclusive as despesas de menor monta. Tal realidade não pode ser desconside­rada pela liga das escolas.

Caso similar se dá em São Paulo, onde o prefeito João Doria (PSDB) também declarou a intenção de diminuir os gastos com o Carnaval, de R$ 39 milhões em 2017. A suplementa­ção dos recursos, disse, virá da iniciativa privada.

Esse parece, de fato, um caminho adequado. A cidade teve exemplo exitoso com os blocos de rua, que contaram com infraestru­tura (R$ 15 milhões) integralme­nte custeada por patrocínio neste ano.

Causa espanto, sobretudo, constatar no Carnaval carioca, o maior do país —1,1 milhão de visitantes e movimentaç­ão de cerca de R$ 3 bilhões provenient­e do turismo neste ano—, tamanha dependênci­a de dinheiro público. Segundo a liga, o orçamento médio de cada escola é de R$ 6 milhões, para um custo mínimo de desfile de R$ 8 milhões.

Não há fantasia para equilibrar as contas. Às escolas sobram duas opções: adaptar-se a um quadro de maior restrição ou tornar mais eficaz a busca por recursos privados.

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