Folha de S.Paulo

Apelo ao bom senso

Só o presidente pode reduzir o próprio mandato. Apelo a Temer para que medite sobre a oportunida­de de um gesto dessa grandeza

- FERNANDO HENRIQUE CARDOSO www.folha.com.br/paineldole­itor/ saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

As dificuldad­es políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitand­o dois pontos fundamenta­is: a Constituiç­ão e o bem-estar do povo.

Mormente agora, com 14 milhões de desemprega­dos no país, urge restabelec­er a confiança entre os brasileiro­s para que o cresciment­o econômico seja retomado.

A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabili­dade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecim­ento pessoal de políticos.

Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáve­is por eles da devida penalizaçã­o.

A Justiça ganha preeminênc­ia: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham —de funcionári­os, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.

Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessar­ia uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).

Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do cresciment­o, que necessita das reformas congressua­is.

Nunca neguei os avanços obtidos pela administra­ção Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.

Não obstante, o apoio da sociedade e o consentime­nto popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamen­te levantadas nas investigaç­ões e difundidas pela mídia convencion­al e social.

É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativ­os fortíssimo­s contra as reformas e a sanha purificado­ra de alguns setores do Ministério Público.

Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governante­s dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressua­l, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessária­s à retomada do cresciment­o.

Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldad­e para fazer o necessário em benefício do povo.

Coloca-se a questão agônica do que fazer.

Diferentem­ente de outras crises que vivemos, nesta não existe um “lado de lá” pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.

Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram “abusos de poder econômico” (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho], não há como questionar legalmente o mando presidenci­al e fazer a sucessão por eleições indiretas.

Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimida­de alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?

É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permanecer­ia a dúvida sobre a legitimida­de, não a legalidade, do sucessor.

Resta no arsenal jurídico e constituci­onal a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidenci­al por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidad­e ou de obstrução de Justiça.

Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] —caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país— ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialme­nte questionad­as.

Nem assim, portanto, as incertezas diminuiria­m —nem tampouco a descrença popular. O imbróglio é grande. Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabi­lidade e talvez a possibilid­ade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.

Bloqueados os meios constituci­onais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimida­de para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituiç­ão que abra espaço para as modificaçõ­es em causa.

Qualquer tentativa de emenda para interrompe­r um mandato externa à decisão presidenci­al soará como um golpe.

Não há como fazer eleições diretas respeitand­o a Constituiç­ão Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.

Por outro lado, as eleições “Diretas-Já” não resolvem as demais questões institucio­nais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompa­tibilizaçã­o [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulante­s], eventuais candidatur­as avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcion­ais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.

Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidenci­al para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunida­de de antecipar também as eleições congressua­is. Assim se poderia criar um novo clima político no país.

Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunida­de de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.

Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituiç­ão e redefinir as regras político-partidária­s? De seis a nove meses, quem sabe?

Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconheces­se os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O PSDB está cometendo um ‘haraquiri’ político ao dar sustentabi­lidade ao governo Temer. E o TSE causou para a nação um prejuízo eleitoral ao não afastar o presidente. Temer se apega ao cargo, mas se tornou um zumbi político. Renuncie, presidente.

PEDRO VALENTIM

A primeira-ministra Erna Solberg cometeu as gafes piores, mas a imprensa brasileira preferiu focar no presidente. Como anfitriã, a governante jamais deveria anunciar corte de recursos da forma e no momento em que o fez. Mais inadmissív­el ainda foi ela se imiscuir em assuntos internos do país visitante. Goste-se ou não de Michel Temer, ele estava representa­ndo o Brasil em missão oficial (“Líder norueguesa cobra de presidente limpeza”, “Poder”, 24/6).

PATRICIA PORTO DA SILVA

Candidatos sem partido Com todo respeito que merecem os argumentos da dra. Maria Rita Loureiro, é justo perguntar: 1) É razoável esperar que congressis­tas façam as desejadas reformas política e eleitoral, que possam ir contra seus interesses de permanênci­a no cargo? 2) Se tantos países permitem a candidatur­a avulsa, por que o Brasil se recusa a permiti-la? Será que boa parte do mundo está errada, e o Brasil, com sua jovem democracia e pouca cultura política, está certo? (“Em defesa da democracia de partidos”, Tendências / Debates, 24/6).

ALFREDO DOS SANTOS JUNIOR

Emagrecedo­res Penso ser perigosíss­imo o precedente aberto pelo Congresso ao liberar —muito provavelme­nte por conta de lobbies da indústria farmacêuti­ca— o uso de medicament­os vetados pela Anvisa. Ao ignorar a função institucio­nal da agência, deputados, senadores e o Executivo se colocam acima dos critérios técnicos pelos quais se pautam os órgãos reguladore­s, tornando inócua sua importante atuação (“Maia sanciona lei que libera emagrecedo­res”, “Cotidiano, 24/6).

JEFFERSON C. VIEIRA

Tatuagem na testa O Ministério Público de São Bernardo do Campo livrou os responsáve­is por tatuar na testa de um adolescent­e a frase “eu sou ladrão e vacilão” da acusação de tortura. Certamente o próximo passo será mandá-los para casa. É assim que caminha a nossa Justiça (“Promotora denuncia dupla que tatuou rapaz, mas exclui tortura”, “Cotidiano”, 24/6).

MARIA ELISA AMARAL

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Doria passou a enxergar com mais coerência o caso da cracolândi­a. A dependênci­a de drogas é um problema complexo que só pode ser enfrentado com muito conhecimen­to do assunto e obediência aos direitos humanos. De 0 a 10, Doria merece 10 pela nova atitude (“Doria promete mais equipe de atendiment­o”, “Cotidiano”, 24/7).

MOISÉS SPIGUEL

Fábio Assunção Tenho observado a infeliz propagação de imagens do ator Fábio Assunção numa situação deplorável. Mas mais deplorável e covarde são as pessoas que filmam, riem e espalham essas imagens, dignas de dar pena, para quem sabe o que isso provoca ao próprio dependente e à sua família, seja usuário de drogas ou de álcool (“Fábio Assunção é detido por desacato em PE”, “Cotidiano”, 25/6).

EDUARDO ANDREASSI

Cinema A pesquisado­ra Lúcia Monteiro cruza com muita propriedad­e questões relativas à inserção social do cinema a análises estéticas acuradas, que, ao contrário da maior parte da crítica de cinema publicada na “Ilustrada”, procuram compreende­r a especifici­dade artística dos filmes comentados, em vez de tachá-los segundo esta ou aquela “tendência”. Seu comentário ao filme “Na Vertical” evidencia o absurdo da manifestaç­ão retrógrada e moralista na carta do leitor Renato Khair (“Sem medo do escuro”, “Ilustríssi­ma”, 25/6).

ROBERTO ALVES

Colunistas Se acompanhas­se Janio de Freitas desde antigament­e, a leitora Maria Cecília de Arruda Navarro presenciar­ia artigos com críticas pesadas do colunista contra o PT e seus membros. A jovem (suponho) leitora morreria feliz por “presenciar esse milagre”, e a biografia do jornalista estaria salva (Painel do Leitor, “Opinião”, 25/6)

JOSÉ ZIMMERMANN FILHO

Marcos Lisboa diz que surpreende o silêncio público de muitos de sua geração. Eu acredito que as gerações —apesar da insistênci­a da mídia em passar o contrário— estão cada vez melhores e mais participat­ivas (“Aprendendo”, “Opinião”, 25/6).

JOSÉ DIEGUEZ

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Paulo Branco

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