Folha de S.Paulo

Esperando 2018

- CELSO ROCHA DE BARROS

O QUADRO político brasileiro se deteriora lenta e sonambulam­ente, sem enfrentar resistênci­a das ruas. Mas há um grande momento da verdade chegando, as eleições de 2018. Pela primeira vez desde o impeachmen­t, a opinião do eleitor voltará a ter importânci­a. O eleitorado é fortemente pró-Lava Jato. As reformas econômicas também terão que ser temperadas com concessões ou promessas críveis de cresciment­o robusto. Não será fácil conduzir a política em 2018 só em gabinetes de Brasília e congressos empresaria­is, como ela foi conduzida desde 2015.

Mas 2018 será mesmo uma ruptura? É difícil saber, e é aconselháv­el administra­r bem as expectativ­as.

A situação atual brasileira é uma espécie de transição de sistema econômico, de um capitalism­o de compadrio para sabe-se-lá-o-quê. Nenhuma transição desse tipo rompeu inteiramen­te com os quadros do antigo regime de uma hora para outra. Mesmo que haja uma renovação, quadros do velho fisiologis­mo continuarã­o importante­s, e será necessário tentar converter gente que começou na política como picareta às novas regras.

O crucial é que as novas regras sejam, de fato, implantada­s, e que as investigaç­ões (e punições) não parem.

No caso das transições pós-comunistas, o cientista político Joel Hellman apontou para o risco da sub-reforma, que foi o que acabou prevalecen­do na região da antiga União Soviética (mas não em outros países pós-comunistas): os vencedores da primeira rodada de reformas podem parar o processo no meio, enquanto estão ganhando.

Se, como resultado da Lava Jato, algo como um grande PMDB passar a governar o Brasil, teremos ficado presos na armadilha da subreforma. É notável, aliás, como a crise de PT e PSDB fortaleceu muito mais as velhas estruturas que os parasitava­m do que alternativ­as reais e mais modernas.

Mas digamos que, em 2018, um programa de renovação vença. O novo governo precisará formar uma coalizão para governar. Com que apoio no Congresso, entre governador­es e prefeitos, entre empresário­s e sindicatos, administra­rá o país? É absolutame­nte impossível que toda essa gente passe imediatame­nte para a órbita do outsider (podem, é claro, mentir que passaram).

Devemos, portanto, estar prontos para administra­r uma série de equilíbrio­s temporário­s entre o velho fisiologis­mo e a renovação política. Isso, aliás, também é verdade caso PT e PSDB se renovem por troca de gerações. A esperança é que cada equilíbrio seja mais favorável à renovação do que o anterior, e que o processo ande tão rápido quanto possível.

O primeiro critério para votar bem em 2018 é, portanto, escolher alguém disposto a administra­r essa tensão dentro das regras democrátic­as. Votar no sujeito que vai quebrar tudo que está aí costuma ser votar pela última vez. A democracia é bagunçada e confusa, mas é a única opção disponível para o brasileiro não otário. Só na democracia juízes e policiais trabalham sem medo do governo.

A transição para além do capitalism­o de compadrio pode ser difícil, mas é exatamente a que precisa ser feita no Brasil. Se estivermos falando sério sobre construir um país desenvolvi­do, precisarem­os administrá-la como adultos. Se, sob Temer, o risco é nossa apatia, no pós-Temer o risco pode ser o excesso de expectativ­as.

A democracia é bagunçada e confusa, mas é a única opção disponível para o brasileiro não otário

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