Crédito privado é gargalo para infraestrutura
DE SÃO PAULO
Num momento de taxas de poupança e de investimento muito baixas, o Brasil pode enfrentar novo gargalo no financiamento de longo prazo.
Os fundos de pensão (planos de previdência restritos a funcionários de uma empresa), que estão entre os principais investidores em projetos de longo prazo, podem precisar vender participações acionárias e imóveis para pagar aposentadorias, diz o economista José Roberto Afonso.
Pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia), Afonso acaba de concluir um estudo para associação do setor (Abrapp), em parceria com o consultor Paulo Roberto Vales.
Se não houver mudanças no setor, diz, os recursos dos fundos de previdência fechados se esgotarão entre 2031 e 2034, dependendo da taxa de juros reais estimada (3% e 5% ao ano, respectivamente).
Mas, muito antes disso, as instituições terão de começar a mobilizar os cerca de R$ 320 bilhões que estão em investimentos de longo prazo.
“Nossa simulação ainda é otimista”, diz o economista. O estudo considera que cada funcionário que deixa uma empresa é reposto e o número de atuais contribuintes (cerca de 2,54 milhões) se mantém, “o que não está acontecendo e, provavelmente, não voltará a acontecer”.
Os fundos com maior volume de investimentos hoje são de empresas estatais, como a Previ (do Banco do Brasil), o Petros (da Petrobras) e a Funcef (da Caixa). As três estão reduzindo suas equipes. POTENCIAL DA PREVIDÊNCIA PRIVADA Raio-X dos possíveis novos segurados, em % Profissionais das ciências e das artes Dirigentes em geral
A participação dos fundos de pensão em ações e fundos de ações já vem caindo, de 33% dos investimentos em 2010 para 19% em 2015.
Os grandes fundos também têm sido obrigados a fazer mudanças para corrigir a previsão de rombos futuros (os chamados deficit atuariais) e enfrentam investigação sob suspeita de corrupção na Operação Greenfield.
A hipótese é que investimentos superfaturados tenham levado a perdas.
Do lado das empresas privadas, a previdência fechada é geralmente mantida por multinacionais, que também enxugaram suas equipes.
Segundo Afonso, o governo precisa se antecipar. “É como um jogo de futebol em que já entrássemos perdendo de três gols. Precisa atacar, fazer quatro gols para não perder.” DESESTÍMULO Entre os pontos que precisam de mudanças, segundo Afonso, estão a tributação —“em vez de estímulo, há desestímulo à participação”— e a regulação, que encarece o modelo e o deixa limitado às grandes empresas. “O sistema regulatório foi criado para grupos de 200 mil funcionários. Não funciona para empresas com 50 vagas.”
Só a Previ, o maior fundo do país hoje, tem mais de R$ 160 bilhões de ativos, 100 mil contribuintes e paga benefícios a mais de 88 mil.
O financiamento de longo prazo também enfrenta gargalos no setor de previdência privada, cujas regras exigem liquidez diária e portabilidade. “Para não correr riscos, as instituições preferem aplicar em dívida pública, que paga juros altos e pode ser resgatada diariamente.”
O próximo passo será levantar impactos de mudanças regulatórias e sugerir produtos mais adequados para previdência privada.
No estudo para a Abrapp, Afonso estimou que a previdência fechada tem potencial para crescer entre R$ 234 bilhões e R$ 474 bilhões em dez anos, em valores atuais.
A análise considera contribuição entre 4% e 8% da renda de 4 milhões de brasileiros. O cliente potencial típico é homem, de 30 a 44 anos, da região Sudeste, casado com filhos e com rendimento pessoal acima do piso previdenciário (R$ 5.531,31 em 2017).
DE SÃO PAULO
O Brasil enfrenta um grande desafio de financiamento de longo prazo para concessões e infraestrutura, afirma o economista Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho.
Em artigo sobre as fraquezas do mercado de capitais brasileiro, o diretor da Anbima diz que, sem reformas, não haverá financiamento privado de longo prazo “nem na próxima década” e “estaremos condenados ao voo de galinha” .
Entre 2010 e 2015, BNDES, fundos regionais, Banco do Nordeste e fundos compulsórios foram responsáveis por 70% do financiamento de projetos de longo prazo, enquanto o mercado de capitais contribuiu com apenas 14%, e os bancos privados, com 16%, aponta Chrysostomo. Em 2015, a fatia dos bancos caiu para 9%, e a do mercado de capitais, para 4%.
A necessidade de soluções privadas cresce com a nova política do BNDES, que cortou financiamentos com juros muito abaixo do mercado.
Criadas em 2011, as debêntures incentivadas (papéis de dívida privada com incentivo tributário) financiaram dez projetos de investimento novos (os “greenfield”) de 2012 a setembro de 2016.
Chrysostomo propõe uma transição coordenada pelo aparelho estatal para que os bancos privados assumam o papel hoje feito pelos públicos.
Seria preciso mais instrumentos de crédito via securitizações de recebíveis, fundos de recebíveis, fundos de crédito estruturado, entre outros, que reduzisse aos poucos “a dependência do crédito curto, caro e reduzido dos bancos privados”.
Outra ação necessária, segundo ele, é incentivar o mercado secundário.