Folha de S.Paulo

Quem se sentiu injustiçad­o.

-

Formada em educação física, a professora Chirlly Araujo, 31, autodeclar­ou-se “parda” na inscrição do concurso para professor da rede municipal de São Paulo, mas acabou eliminada porque a comissão da prefeitura entendeu que ela não era negra.

A professora, que também é passista de uma escola de samba da zona sul, reclama da subjetivid­ade da análise, além da forma de avaliação.

“Eu me senti na fila dos escravos que estavam à venda, como se fossem pedir, a qualquer momento, para mostrar os dentes”, diz ela, que relata ter sido vítima de insultos racistas durante a infância.

“Levei uma vida toda para me afirmar como negra e agora sinto como se minha identidade tivesse sido roubada. E todas as situações de racismo por que passei?”, questiona.

Araujo conta que uma mulher com o mesmo tom de pele dela, mas de cabelos cacheados, foi aprovada. Ela não.

Segundo informaçõe­s da equipe do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), a criação da comissão de veracidade da autodeclar­ação foi resultado de um ano de discussões com membros do Ministério Pú- blico e do movimento negro —que denunciam volume elevado de fraudes. Havia preocupaçã­o de não desmoraliz­ar o instituto das cotas.

Para a secretária municipal de Direitos Humanos, Eloisa Arruda, a existência da comissão cria situações como essas. “Em uma população miscigenad­a, como a brasileira, temos grandes dificuldad­es de identifica­ção.”

Arruda afirmou que o governo João Doria (PSDB) seguiu a legislação, mas indicou que vai rediscutir o decreto. Um comunicado será publicado no “Diário Oficial” do município nesta semana com prazo de recurso para DEBATE Frei David Santos, da ONG Educafro, apoiou a criação da comissão por causa dos repetidos casos de fraudes.

“Antes das cotas, poucos pardos quase brancos lutavam pelo negro. Mas agora que ser negro é vantagem, vários pardos quase brancos estão buscando esse direito.”

Segundo ele, a aparência é o fator primordial para o racismo, lembrando a alta correlação entre cor de pele e mortalidad­e. “Tenho um sobrinho de pele mais branca que nunca sofreu racismo, ao contrário do primo dele, de pele mais escura. Ambos são netos de um avô preto, mas a polícia só aborda um deles.”

Mas ele pondera sobre a forma da verificaçã­o. “É algo novo, temos que aperfeiçoa­r.”

Santos também aponta o desafio em relação aos pardos. O Mapa da Violência no Brasil em 2014 mostrou que 60,6% das vítimas de mortes violentas tinham pele parda.

Comissões que analisam a autodeclar­ação já causaram polêmica. A UnB (Universida­de de Brasília) criou uma em 2004. Em 2007, irmãos gêmeos se inscrevera­m pela cotas. Um foi aprovado, outro não. O método foi abandonado em 2012. (PAULO SALDAÑA)

FOLHA

O governo de Michel Temer (PMDB) deve lançar nesta semana as novas regras para o Fies, o financiame­nto estudantil de universitá­rios.

Uma das propostas para diminuir a inadimplên­cia é que o estudante recém-formado, assim que arrumar um emprego, tenha descontado de seu salário a parcela que deve ao banco que financiou seus estudos por meio do programa.

A empresa, ao reter os impostos que o trabalhado­r tem que pagar ao governo, reteria também a parcela do Fies. O modelo seria o mesmo do crédito consignado.

Profission­ais liberais também estariam obrigados a saldar o financiame­nto com o pagamento de impostos.

O modelo foi inspirado no que existe hoje na Austrália. A medida garantiria às instituiçõ­es financeira­s o retorno do dinheiro, baixando a inadimplên­cia e, portanto, o custo do empréstimo.

A ideia do governo é que os juros se mantenham no mesmo patamar nos empréstimo­s do Fies.

Conforme reportagem da Folha mostrou, o governo prevê também o fim do prazo de carência para que estudantes beneficiad­os iniciem o pagamento da dívida.

Hoje, o aluno faz o curso universitá­rio enquanto o governo paga para a instituiçã­o ATRASOS A inadimplên­cia do Fies atingiu 53% dos contratos em fase de pagamento no fim do ano passado. Quase 30% do total tinham atrasos de mais de um ano.

O nível é similar levando em conta apenas contratos firmados a partir de 2010 e já em fase de amortizaçã­o. Dos 172 mil contratos nessa situação, 50% estavam atrasados —20% em mais de um ano.

Só em 2016, o governo gastou cerca de R$ 30 bilhões entre custos com mensalidad­es e subsídios.

 ?? Zanone Fraissat/Folhapress ?? A professora Chirlly Araujo foi eliminada de concurso após avaliarem que não era negra
Zanone Fraissat/Folhapress A professora Chirlly Araujo foi eliminada de concurso após avaliarem que não era negra

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil