Folha de S.Paulo

Festa de São João transforma Paulista em arraial nordestino

- ROBERTO DE OLIVEIRA

A frente da mais poderosa federação industrial do país foi dominada por quadrilhas.

Seus integrante­s não carregavam malas tampouco usavam terno e gravata, como os bandos que dominam o noticiário dos últimos anos.

Era um look festivo, composto de camisa xadrez e vestido de chita. Também não faltaram, nesse domingo (25) de sol e frio, os tradiciona­is chapéus de palha desfiados, na primeira Festa de São João da avenida Paulista.

Aos 74 anos de idade, João Alfredo Marques dos Santos sabe bem diferencia­r uma quadrilha da outra. “Essa aqui engrandece o Brasil. Gera renda e emprego. Resgata a nossa riqueza cultural. Ao contrário daquelas de Brasília que são motivo de vergonha, tristeza e roubalheir­a.”

João do Pife, como é conhecido o músico caruaruens­e, há 59 anos toca o pequeno instrument­o de sopro produzido com bambu. É líder da Banda de Pífanos Dois Irmãos, criada pelo pai dele, em 1928, uma das seis atrações de Caruaru (PE) que se apresentar­am no palco do arraial montado na Paulista.

Organizada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e pelo Sesi-SP (Serviço Social da Indústria), a quermesse pernambuca­na colocou famílias inteiras para dançar forró pé de serra, xaxado, xote e baião. As duas entidades investiram R$ 200 mil no evento.

“Nunca tivemos um assédio tão grande”, espantou-se o professor Janduir João dos Santos, 33, comandante do Batalhão de Bacamartei­ro, após posar para “mais de uma centena de selfies”.

O grupo de bacamartei­ros possui 42 integrante­s, mas apenas oito participar­am do São João daqui. Falta maior, porém, fez o explosivo: o desfecho do desfile do batalhão ocorre com uma salva de tiros, só que teve apenas um na Paulista. “Não conseguimo­s embarcar com a pólvora”, lamenta-se o comandante, que, em seguida, ensaia um sorrisão diante de mais uma foto.

Ao lado da filha, Isabelly, 9, e da vizinha Iasmin, 8 — ambas caracteriz­adas de caipira—, a auxiliar de ambulância Patrícia Regina do Nascimento, 37, era só animação.

“Festa junina tem que ser assim: com música de raiz. Não dá para misturar funk ou sertanejo.” No início do mês, a cantora Elba Ramalho, um dos ícones do São João nordestino, criticou a programaçã­o de Campina Grande (PB) por dar espaço demasiado aos artistas sertanejos.

Fã de Luiz Gonzaga, a coreógrafa Luciana Bortoletto, 37, estava na Paulista, “apesar de ser um evento patrocinad­o pela Fiesp”. “Estamos num momento delicado, com o desmonte da estrutura cultural. Vim para ouvir o forró e acompanhar a quadrilha.”

Nela podia dançar homem com homem e mulher com mulher, como fez Maria Celestina de Oliveira Marciano, 66. De camisa estampada com flores e frutas, calças jeans e sapatinho preto baixo, “para não apertar o pé”, ela queria mesmo era “ficar no remelexo”. “Isso me lembra o tempo da roça”, disse.

Após uma longa pausa, continuou: “Foi num dia de São João que perdi o segundo dos meus cincos filhos. Morreu dormindo”, contou, emocionada. “Agradeço por ele ter vivido por 26 anos.”

Revigorada pela sanfona, a mineira de Lambari, antes de dançar mais um bocadinho, completou: “Viva São João! E todos os santos”.

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Eduardo Anizeli/Folhapress Paulistano­s dançam quadrilha em frente ao prédio da Fiesp, que distribuiu mil chapéus
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Procissão de São João na avenida Paulista, durante festa dedicada ao santo neste domingo

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