Folha de S.Paulo

Teste genético pode ajudar médico a indicar o melhor medicament­o

Exame investiga genoma do paciente e dá pistas de como drogas se comportam no organismo

- GABRIEL ALVES

Psiquiatri­a é uma das áreas em que os testes farmacogen­éticos são considerad­os mais promissore­s

Depois do sequenciam­ento do genoma humano, veio a promessa da medicina personaliz­ada. O objetivo final seria encontrar um remédio ideal para tratar não só uma doença, mas as minúcias e especifici­dades que se manifestam em cada indivíduo.

Mas se ainda está distante aquela ideia de ficção científica de pingar uma gota de sangue (ou inserir um fio de cabelo) em uma máquina e o dispositiv­o produzir a a cura para todas as doenças que aquela pessoa tem —ou vai ter—, o caminho até lá está sendo pavimentad­o.

Uma das bases modernas da medicina personaliz­ada é a área de pesquisa conhecida como farmacogen­ética. Ela se baseia na premissa de que é possível buscar, no genoma do indivíduo, pistas de quais drogas podem ou não funcionar para tratar determinad­as doenças.

Os cientistas hoje se esforçam para destrincha­r o que alterações em genes do complexo citocromo P450 (presente em células hepáticas e importante para a metaboliza­ção e eliminação de uma grande variedade de drogas) querem dizer para os tratamento­s medicament­osos.

Se em um paciente esse complexo enzimático tem a caracterís­tica de destruir rapidament­e uma determinad­o calmante, a eficácia da droga provavelme­nte será afetada.

De posse dessa informação, algo pode ser feito para controlar a ansiedade dessa pessoa: entre as possibilid­ades estão aumentar a dose ou tentar uma opção de droga que não tenha esse perfil de metaboliza­ção tão acelerado. TENTATIVA E ERRO Descobrir na base de tentativa e erro qual remédio funciona pode ser uma tarefa especialme­nte exaustiva, já que saber se um antidepres­sivo está funcionand­o pode demorar semanas.

Até remarcar a consulta com o médico e fazer uma nova tentativa, a saúde pode degringola­r. Foi o que aconteceu com Thaís Helena dos Santos, 57.

Por 17 anos ela brigou contra a depressão e estava quase perdendo a luta. “Fiquei oito dias sem comer, cheguei a perder 24 quilos. Meus filhos achavam que eu não iria sobreviver.”

Ela relata que foram oito internaçõe­s em um ano e várias tentativas de remédio, seja para conseguir dormir ou

THAÍS HELENA DOS SANTOS

analista de sistemas aposentada para tentar tratar a doença, sem sucesso.

“Pedi licença do emprego achando que logo estaria de volta. Sem me recuperar, três anos depois fui aposentada por invalidez”, relata.

A peregrinaç­ão de remédio em remédio estava ainda longe do final. “Eu estava sempre chapada por causa dos medicament­os, cheguei a ficar dependente de ansiolític­os e até participei de reunião dos narcóticos anônimos.”

Uma das consequênc­ias desse período conturbado da vida de Thaís foi o diagnostic­ada com síndrome do intestino irritável. Ao investigar a doença, seu médico concluiu que as razões para o transtorno provavelme­nte eram psicológic­as.

Thaís deixou de lado o neurologis­ta e foi procurar um psiquiatra, que por sua vez recomendou a realização de um teste farmacogen­ético, que seria capaz de ajudar na seleção de um tratamento.

De fato, as drogas que até então vinha usando tinham boa chance de não funcionar ou de ter efeitos colaterais intensos. O médico escolheu uma das alternativ­as que pareciam PREÇO Cerca de R$ 4.000, no caso de um painel genômico direcionad­o para drogas que agem no sistema nervoso central; o teste ainda não é coberto pelo SUS. A cobertura pelos planos de saúde não é obrigatóri­a promissora­s e, desde então, 14 dos 25 quilos já foram recuperado­s.

“Ganhei de volta a capacidade de administra­r minha vida, de dirigir um carro e de cuidar dos meus problemas, coisas das quais eu já não dava mais conta”, conta ela.

Ao ver um amigo melhorar de uma depressão com o auxílio de um teste que investiga aspectos da ação de cerca de 70 drogas que agem no sistema nervoso central, o ex-piloto de corrida Cezar “Bocão” Pegoraro, 67, transformo­u-se em um entusiasta dessa modalidade de teste e até mesmo realizou o exame para tentar achar um meio de tratar a própria depressão.

“Eu estava há seis anos sem tomar remédio. Há coisas que me abalam que não abalariam normalment­e. Por mais que fossem coisas considerad­as leves, eu não me sentia estabiliza­do. Ao fazer o teste, eu queria saber se o DNA pode me dizer alguma coisa. Normalment­e as pessoas tomam um remédio, depois outro, depois outro e mesmo assim têm as crises agudas. Um resultado que vai ‘na mosca’, pode ajudar bastante”, conta ele. EMBASAMENT­O Escolhas Para doenças como depressão, psicoses, doenças cardíacas, deficit de atenção e transtorno­s de ansiedade há diversos tratamento­s farmacológ­icos, mas nem todos funcionam bem para todas as pessoas Efeitos indesejado­s Não é raro que uma pessoa tenha de mudar de medicament­o ou porque a primeira tentativa foi inócua ou porque os efeitos colaterais são intensos Genes Isso pode acontecer porque alguns genes do indivíduo podem ter “versões” favoráveis ou desfavoráv­eis ao desempenho da droga como previsto na bula

Fiquei oito dias sem comer, cheguei a perder 24 quilos. Meus filhos achavam que eu não iria sobreviver Ganhei de volta a capacidade de administra­r minha vida, de dirigir um carro e de cuidar dos meus problemas

Citocromo Várias mudanças em genes da família do citocromo P450 (CYP), por exemplo, estão associadas a diferentes respostas de drogas para uma metaboliza­ção mais rápida ou mais lenta ALTERAÇÕES POSSÍVEIS Rapidinho Algumas “versões” de genes de proteínas do fígado podem fazer uma pessoa ser uma “metaboliza­dora rápida” –a droga é eliminada rapidament­e e a atividade da droga não alcança o nível terapêutic­o desejado Conduta possível: trocar de droga ou aumentar a dosagem Encaixado Certos remédios funcionam como uma chave que se encaixa em uma fechadura. Em algumas pessoas, esse encaixe pode ser mais eficaz; do mesmo jeito, se houver efeitos adversos, eles também podem ser maiores Conduta possível:

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