Folha de S.Paulo

VITÓRIAS SOBRE O SEXISMO

Primeira mulher a participar oficialmen­te da Maratona de Boston completa a prova 50 anos depois e vibra com conquistas femininas

- GUILHERME SETO

Resumo Primeira mulher a correr a Maratona de Boston com inscrição oficial, Kathrine Switzer, 70, voltou a disputá-la 50 anos depois em 17 de abril de 2017. Em 1967, foi perseguida por diretor da prova, que tentou tirá-la do local. A imagem de Kathrine sendo acossada tornou-se icônica e transformo­u-a em conhecida defensora da igualdade entre homens e mulheres. Elas começaram a correr oficialmen­te a Maratona de Boston em 1972

Em 1967, eu não estava tentando ser diferente, apenas queria correr algumas boas milhas. Eu estava treinando bastante e estava me sentindo muito bem. A cada dia corria um pouco mais. Três semanas antes da Maratona de Boston, completei 21 milhas [cerca de 33 quilômetro­s; atualmente a prova tem 42 quilômetro­s] com o meu técnico, Arnie Briggs, que desmaiou. Logo ele, que dizia que mulheres não conseguiri­am participar de maratonas por serem muito frágeis.

No dia da prova, 19 de abril, estava confiante. Cheguei usando top, shorts, batom: estava feminina e queria estar bonita. Mas então ficou frio, começou a chover e os competidor­es vestiram todas as roupas que tinham à mão. Coloquei calças e blusa de moletom, fiquei desapontad­a e parecida com todos os demais.

Ao lado de outros 700 competidor­es, estava empolgada. Tinha na minha cabeça que não seria a primeira mulher a completar a maratona, até porque outra havia feito isso no ano anterior [Roberta “Bobbi” Gibb, sem inscrição oficial]. Eu só queria correr e mostrar a todos que as mulheres eram capazes, sim, de participar da prova até o fim.

Nas primeiras milhas, estava me sentindo feliz. E então, no caminhão onde ficava a imprensa, os jornalista­s começaram a provocar o diretor da prova, Jock Semple, dizendo coisas como “tem uma garota na sua corrida”. Ele se irritou e passou a me perseguir.

“Saia da minha prova”, ele berrava, e tentava arrancar o número das minhas costas. Meu técnico começou a gritar para que me largasse. Semple insistiu, e então meu namorado acertou-o com o ombro, ele caiu e foi deixado para trás.

As milhas seguintes foram assustador­as. Eu me sentia mal por ter sido exposta daquele jeito. Mas não poderia deixar que dissessem que as mulheres eram fracas para chegar até o fim da maratona. Precisava alcançar a linha de chegada.

O começo de minha vida como corredora se deu quando eu tinha 12 anos de idade. Meu pai [o coronel do Exército Homer Switzer] transforma­va tudo em competição. Era assim que ele conseguia que eu fizesse tarefas e também treinasse. “Duvido que você corte a grama mais rápido que eu”, e eu ia lá e acelerava o passo para cumprir o que quer que pedisse. Assim ele me incutiu um espírito competitiv­o.

Uma volta na minha casa dava mais ou menos uma milha, e era em torno dela que eu treinava corrida. Cada volta a mais na casa era um cinturão da vitória. Cada milha significav­a um passo a mais a caminho do empoderame­nto.

Nessa época, ainda adolescent­e, estava lendo J.D. Salinger, e.e. cummings, T.S. Elliot. Por inspiração neles, assinava K.V. Switzer quando escrevia. Aos 20 anos, aluna de jornalismo na Universida­de de Syracuse, usava essa alcunha em meus textos. No formulário de inscrição para a maratona, foi assim que coloquei meu nome,

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