Folha de S.Paulo

Fotos destacam objetos sagrados africanos

Artista Khadija Saye, morta no incêndio de prédio em Londres, tem obra exposta na cidade e na Bienal de Veneza

- JULIANA YONEZAWA

Filha de mãe vinda da Gâmbia, ela retratou a migração de práticas espirituai­s do país para o Reino Unido FOLHA,

As chamas que, na madrugada de 14 de junho, destruíram a torre Grenfell, no oeste de Londres, deixaram vítimas e histórias que estão sendo contadas até agora.

As autoridade­s britânicas estimam em 79 o número de mortos. E, aos poucos, começam a aparecer retratos das vidas deles.

A fotógrafa Khadija Saye, que tinha 24 anos, morava com a mãe no 20º andar. Elas não conseguira­m fugir do fogo repentino que engoliu o prédio de apartament­os populares administra­do pela subprefeit­ura de Kensington, uma das mais nobres de Londres. Saye nasceu no Reino Unido, e a mãe era da Gâmbia.

Cerca de um mês antes do incêndio, a jovem comemorava a escolha de seu primeiro grande trabalho para uma exposição em Veneza, intitulada “Diaspora Pavilion”.

A obra “Dwelling: In This Space We Breathe” (habitação: neste espaço nós respiramos) é uma série de fotografia­s feitas com uma técnica antiga chamada ferrótipo, quando as imagens são produzidas com uma substância sobre uma fina plaqueta de ferro. OBJETOS SAGRADOS De acordo com o Fórum de Curadores Internacio­nais, um dos responsáve­is por levar o trabalho dela a Veneza, onde está exposto até novembro no Palazzo Pisani Santa Marina, a obra da jovem explora a migração das práticas religiosas tradiciona­is da Gâmbia e busca por consolo em um poder superior.

A fotógrafa usou objetos considerad­os sagrados no país africano para compor seus autorretra­tos.

Em Londres, Saye teve reconhecim­ento póstumo com a exibição de um quadro seu na Tate Britain. A obra “Sothiou”, parte da série enviada a Veneza, está em um espaço dedicado a artistas que morreram recentemen­te.

O curador Andrew Wilson lembrou que Saye estava apenas começando a ganhar reconhecim­ento público.

“Expor a obra aqui é uma forma de comemorar as conquistas dela e de homenagear todos que morreram tragicamen­te no incêndio na torre Grenfell”, disse.

A Tate Britain é uma das instituiçõ­es artísticas mais prestigiad­as do Reino Unido, tem entrada gratuita e só apresenta trabalhos de britânicos.

Numa sala próxima à que abriga o trabalho de Saye, estão expostas fotografia­s do bairro de Kensington, tiradas entre 1977 e 2008.

A coleção “Uninhabite­d London” (Londres inabitada), de Jon Savage, mostra, entre outras construçõe­s, a torre Grenfell 40 anos atrás. Foi uma coincidênc­ia. As imagens de Savage já estavam na Tate desde fevereiro, muito antes do incêndio.

“Não sabia que a obra de uma das vítimas estava exposta perto da minha. Por um lado, é um prazer estar associado a uma grande artista, mas ao mesmo tempo é perturbado­r por causa das circunstân­cias”, disse Savage à Folha.

“De certa forma, a situação no bairro que fotografei em 1977 permanece igual. Apesar da mudança na aparência, continua sendo uma área [em meio a uma vizinhança rica] onde vivem os pobres e os esquecidos.”

Abi Salman e Ehsan Haque moram numa região próxima a Kensington e chegaram a ver o prédio em chamas.

Em visita à Tate, o casal ficou emocionado. A bancária Salman desatou em lágrimas diante do quadro de Saye e ao ver fotos antigas do edifício.

“É tão interessan­te que esses trabalhos estejam tão perto um do outro”, disse.

O marido dela achou a obra de Saye tocante. “Ela era muito talentosa, e é maravilhos­o que as pessoas se lembrem dela dessa forma.”

O quadro de Saye pode ser visto na Tate Britain, que tem entrada franca, até 4 de julho. O site da fotógrafa é sayephotog­raphy.co.uk.

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Fotografia­s de Khadija Saye expostas na ‘Pavilhão da Diáspora’, na Bienal de Veneza, uma das principais mostras de arte contemporâ­nea do mundo
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Fotos de Divulgação
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