Folha de S.Paulo

A ficção de Temer

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Michel Temer recorreu a um truque antigo para reagir à denúncia por suposta prática de corrupção. Em vez de se defender, o presidente atacou o acusador. Ele subiu o tom contra o procurador-geral da República e classifico­u a peça entregue ao Supremo como “uma ficção”.

A denúncia tem fragilidad­es, mas é Temer quem parece ter abandonado qualquer compromiss­o com os fatos. Nesta terça, ele começou o discurso agradecend­o o “apoio extremamen­te espontâneo” dos parlamenta­res que estavam no Planalto. A tropa havia sido convocada minutos antes, em mensagens disparadas por celular.

O presidente apresentou duas versões distintas para a encrenca em que se meteu. Primeiro insinuou, sem apresentar provas, que o procurador Rodrigo Janot teria recebido propina para denunciá-lo. Depois disse que o dono da JBS o acusou no “desespero de se safar da cadeia”.

Temer cometeu erros surpreende­ntes para quem se gaba de conhecer as leis. Chamou o áudio de Joes- ley Batista de “prova ilícita”, apesar de o STF já ter autorizado o uso de conversas gravadas por um dos participan­tes. E acusou um ex-assessor de Janot de violar a quarentena, regra que inexiste para procurador­es.

O presidente pareceu indeciso sobre o que pensa do empresário que o acusou. Ao justificar o encontro noturno no Jaburu, exaltou Joesley como o “maior produtor de proteína animal do país”. Ao rebater a delação, voltou a chamá-lo de “bandido”.

Numa tentativa de demonstrar que terá apoio para barrar a denúncia na Câmara, o presidente se cercou de deputados ao discursar. Pode ter sido uma ideia razoável, mas ele cochilou na seleção do elenco.

Do seu lado direito estava André Moura, réu em três ações penais e investigad­o por suspeita de homicídio. Do esquerdo, Raquel Muniz, mulher de um ex-prefeito preso sob acusação de corrupção. Logo atrás dela despontava Júlio Lopes, delatado na Lava Jato e citado nas investigaç­ões do esquema de Sérgio Cabral.

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